Viana do Castelo e Vila Real, os parentes pobres do Ensino Secundário
Apesar de a Constituição preconizar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”, a verdade é que o Estado não tem respeitado este preceito. Viana do Castelo e Vila Real são, neste aspecto, dois distritos esquecidos pelos representantes políticos.
Margarida Cardoso, de Vila Praia de Âncora, Viana do Castelo, frequentava o 11º e o 12º ano em 2017. “Tivemos de mudar de escola porque a que tínhamos fechou, num ano em que várias escolas fecharam. Tivemos de optar entre Caminha ou o concelho de Viana de Castelo para ter ensino secundário público”, conta.
Em Viana os transportes são mais acessíveis, como informa Margarida: “Tínhamos autocarro e comboio, mas o comboio era mais barato e os horários eram relativamente bons. Apesar de ainda ter de andar uns bons 15 minutos até à estação, o comboio partia às 8h00 e outro às 17h30. À tarde esperávamos um pouco mais. Por volta de uma hora.” Porém, esta situação só se colocava a quem era da vila, porque quem vivia nos arredores tinha mais problemas: “Tínhamos colegas que eram de aldeias próximas e já tinham dificuldades. Não tinham um autocarro da aldeia, tendo de ir para a Vila com os pais e só depois para Viana no comboio.”
Tanto Viana do Castelo (2,255km2) como Vila Real (4,328km2) apresentam, em média, 1 escola secundária por cada concelho, tendo 10 e 13 concelhos, respetivamente. O número de jovens, em 2017, do distrito minhoto era 11.801 e do distrito do Douro era 9317, sendo no total 21.118 jovens entre os 15 e 19 anos a requerer completar o ensino obrigatório, segundo dados do INE de 2017. Para uma comparação equitativa, apenas no município de Lisboa (100km2) residiam 20.681 jovens, aos quais lhes eram oferecidas 20 escolas públicas de ensino secundário. Na área que abrange os distritos de Viana do Castelo e Vila Real, aproximadamente 6 mil km2, as ofertas de escolas secundárias públicas são relativamente iguais ao município de Lisboa, com apenas 100km2.
Segundo os mesmos dados do INE de 2017, o concelho de Boticas tem 192 jovens e Santa Marta de Penaguião 351. No entanto, ambos não oferecem ensino secundário público, obrigando, no total, 543 jovens a deslocar-se para frequentar o secundário. “Há muitos protestos nos concelhos”, informa o jovem de Vila Real, Diogo Neves, “porque não existem escolas secundárias públicas. (As pessoas) querem melhorar a qualidade de vida, para ter mais tempo com a família e com os amigos da sua terra.”
No entanto, verifica-se que as deslocações não são assim tão facilitadas. Percorrendo a Rodonorte, Transdev e Rede Expressos, verifica-se em Boticas, por exemplo, que, dos concelhos que a circundam (Chaves, Montalegre, Ribeira de Pena e Vila Pouca de Aguiar) apenas um deles fornece transporte público. Mesmo assim, para ir de Boticas a Vila Praia de Âncora o autocarro de Rede Expressos passa de duas em duas horas tem um custo de sete a dez euros. A Rodonorte não passa por estes concelhos. Já em Santa Marta de Penaguião, apenas de transporte privado, ou táxi/uber, é que se alcança os concelhos circundantes para frequentar ensino secundário público, “Na minha escola havia muita gente de outros concelhos que não tinham escolas secundárias, como Boticas e Santa Marta de Penaguião” completa o Diogo.
“A Rodonorte e a Tâmega, que hoje em dia é da Rede expressos, faziam o transporte com apenas dois autocarros em Vila Real, de manhã cedo e às 18h15, no fim do dia”, diz Diogo Amaral Neves. “Às vezes as aulas acabavam mesmo às seis e um quarto ou de manhã e tinham que esperar em Vila Real até o autocarro os pudesse levar. A não ser que os pais os viessem buscar”.
Capital com mais oferta e mais escolha
Não só o município de Lisboa demonstra uma vasta oferta de ensino público secundário a pouca distância, mas também fornece a pluralidade exigida dos cursos científico humanísticos. Nos distritos de Viana do Castelo e Vila Real, a oferta de ensino público é escassa e, nesses, não é abrangido a oferta regular de uma escola secundária. Em Vila Real, nas 17 escolas de ensino secundário público, apenas 3 oferecem a opção de Artes Visuais e apenas 3 disponibilizam a área de Economia. Diogo Amaral Neves, da Escola secundária de São Pedro, de Vila Real, ingressou em Ciências e Tecnologias há uns poucos anos. “A nossa escola não tinha o curso de Artes Visuais”. Já em Viana do Castelo, que demonstra mais oferta, das 17 escolas que abrangem os 10 concelhos, apenas 8 têm na estrutura Artes Visuais e somente 10 apresentam o curso de Economia.
Comparativamente a Lisboa, onde das 20 escolas de ensino público 12 têm Artes Visuais e 17 têm Economia, ambos os distritos do Norte aparentam uma desvantagem de oportunidade, de igualdade e justiça perante o que desejam seguir e com vista o ingresso ao Ensino Superior. Estes dados poderão ser confirmados numa tabela ilustrativa com a distribuição de alunos por distrito, município, escola secundária e área científico humanística Tabela – Distribuição dos alunos por curso e escola secundária.
Em último, o desinteresse das concelhias e representantes políticos pelas áreas de Economia e Artes Visuais é considerável, segundo os dados do INE de 2017. Há várias
escolas, nos três locais de incidência, que apenas têm Humanidades e Ciências e Tecnologias. Apesar de, em Lisboa, se observar uma maior facilidade de outras escolas que, de facto, ofereçam a área de interesse do jovem, em Vila Real e em Viana do Castelo a realidade é outra. Poderá haver outras opções com todas as ofertas, no entanto, a uma distância considerável e sem uma rede de transportes prática, rotativa e acessível para o ingresso no curso científico humanístico pelo jovem desejado.
“Lisboa é uma realidade distante, de todas as oportunidades. No norte, não acontece assim, estamos longe e esquecem-se de nós e de que ainda existe jovens para cultivar”, remata o jovem de Vila Real. Os jovens do Norte são, então, reféns da sua residência e do descuido governamental.
Reportagem feita de Maria Madalena Freire
Este artigo surge no âmbito do Mestrado em Jornalismo na NOVA FCSH. Após terminar a licenciatura em Ciências da Comunicação, Maria Madalena Freire ingressou no Mestrado de Jornalismo na NOVA FCSH. Atualmente, dirige o Jornal Crónico exercendo funções de edição. Não acredita que o que faz a define, por isso não vê qualquer utilidade em descrever toda e qualquer atividade que já tenha feito. Acredita, porém, no poder da palavra e para a conhecer basta ler o que redige. Tem como mote as palavras de Eça de Queiroz: “A criança portuguesa é excessivamente viva, inteligente e imaginativa. Em geral, nós outros, os Portugueses, só começamos a ser idiotas – quando chegamos à idade da razão. Em pequenos temos todos uma pontinha de génio.”