Viemos ao mundo para trabalhar… em nós
Porque existimos e para onde vamos? Estas são duas das derradeiras questões que atormentam a mente da grande maioria das pessoas. Há quem diga que viemos ao mundo para constituir família e reproduzir-nos. Também há quem defenda que o motivo da nossa existência esteja relacionado com a produtividade, o acumular de riqueza e a obtenção do máximo de conforto possível. E ainda, no lado oposto, temos aqueles que dizem que devemos “apenas” preocupar-nos em deixar este lugar melhor do que quando o encontrámos. Enfim, as perspectivas são inúmeras. Independentemente daquilo em que acreditamos, a verdade é que, na prática, as nossas vidas são regidas pela sobrevivência e, por conseguinte, pela conquista de um estilo de vida que nos garanta um sustento. É precisamente neste instante que muitos se perdem, desistem do que sentem e daquilo em que acreditam, para dar lugar a uma vida moribunda, sem significado.
Um dos grandes motivos que nos empurra para o precipício da mesmice é deixarmos que o medo tome as decisões. Desta forma, torna-se difícil percorrer o caminho que a vida reservou para nós. Ao observarmos as nossas vidas em retrospectiva, talvez os dedos das mãos não sejam suficientes para contabilizarmos a quantidade de escolhas que fizemos porque tínhamos receio de algo. O curso que escolhemos porque tínhamos medo de desiludir os nossos pais. O emprego que aceitámos porque tínhamos medo de não encontrar melhor. A pessoa com quem nos juntámos porque tínhamos medo de ficar sozinhos. Se olharmos bem, estamos constantemente a preparar-nos para o pior, nunca para o melhor. Quem semeia o medo de fracassar, como pode esperar vir a colher sucessos?
Quando o futuro faz ouvidos moucos às nossas dúvidas, é sempre mais fácil escutar o que o medo tem a dizer. Estamos em mar alto, completamente à deriva, e boias nem vê-las. À falta de algo palpável ao qual nos possamos agarrar, sentimos que o melhor é voltar para o barco repleto de passageiros desistentes. Muitas vezes nem temos consciência do potencial que possuímos e tampouco lhe damos a oportunidade de resplandecer. Aquilo que distingue um escultor é a sua capacidade de ver uma obra de arte onde todos os outros reconhecem apenas uma rocha. Também é assim que nos vejo. Viemos ao mundo maciços, com tanto por esculpir. Carregamos algo que precisa ser lapidado antes de poder ver a luz do dia e esse é um trabalho que só pode ser feito por nós, mais ninguém.
O excesso de futuro e a preocupação com a obtenção de respostas também podem dificultar o processo. Ficamos ansiosos por não saber qual o propósito de vida que devemos representar. Quanto mais procuramos, mais sofremos. A proatividade em excesso pode ser a maior inimiga. Cada pessoa a seu tempo. Para quê ter pressa? Talvez devêssemos preocupar-nos menos em fazer acontecer e mais em deixar que aconteça. Isto não se trata de uma corrida em que “quanto mais depressa melhor”. Existe um timing, uma ordem natural imperturbável. Concentremo-nos apenas em tentar ser melhores a cada dia que passa e a não perder tempo em conversas redondas com pessoas quadradas. Por vezes o mais sensato é ficar no nosso canto, a limar as arestas.
Ousemos sonhar e acreditar que somos bem mais do que imaginamos. Quem seriam os nossos heróis, se a princípio não tivessem dado o benefício da dúvida ao que a intuição lhes dizia? Provavelmente nada do que são hoje. Connosco não é diferente. Nem sempre é fácil imaginar o sol a brilhar num dia cinzento, mas ele está lá. Sempre.
Ser quem nascemos para ser obviamente que dá trabalho. Não basta acreditar, pedir com muita força e repetir dez vezes a mesma frase, enquanto juntamos as mãos e lançamos os olhos para o alto. É bem capaz de ser a tarefa mais exigente que podemos abraçar, mais que não seja para verificar se estamos mesmo por inteiro nesta empreitada. Podemos olhar para nós como se fossemos o nosso negócio próprio. Algo que requer empenho, dedicação e muita disciplina. A nossa obra-prima. Tudo se torna mais orgânico e espontâneo quando também praticamos o amor-próprio. “Só” temos de apreciar a pessoa que somos, na certeza que o futuro irá desvendar novas e melhores facetas. Afinal de contas, se o amor é cego, porque não confiar nele (e em nós) de olhos fechados?