‘Virgens Suicidas’ e a crueldade da arte
O palco do Grande Auditório da Culturgest receberá esta semana Virgens Suicidas, peça encenada por John Romão e interpretada por Luísa Cruz, Vera Mantero, Mariana Tengner Barros e um colectivo de ginastas. Alguns lembrar-se-ão do filme de Sofia Coppola, homónimo, lançado em 1999; outros tantos do texto que lhe deu origem, de Jeffrey Eugenides; mas a peça vai além do imaginário deste texto, incluindo Mine-Haha, de Frank Wedekind.
Passado num colégio interno, a peça retrata uma educação austera, marcada pela rigidez corporal e temperamental de uma rotina quase ditatorial. A mesma frieza com que os corpos das alunas são levados depois destas terem cometido o suicídio é apresentada, em tonalidades diferentes, ao longo da peça. Sem afectos e com crueldade das tutoras, as adolescentes enfrentam a disciplina infligida como se de pequenos robôs se tratassem, perante a passividade de um “Então assim não consegues viver, não é, meu amor?” numa situação de dor vivida por uma das adolescentes. Não parece ser permitido algo, nem às próprias tutoras nem às alunas, que não se encontre numa cartilha. Isto inclui a competição que as tutoras fazem questão de alimentar, com comparações e distinções honoríficas, com excepção da devoção que as alunas têm de demonstrar.
Por isso mesmo, os humanos são menos dignos de existirem do que os outros animais, porque nos outros animais residem os verdadeiros mistérios da natureza. E o que fazemos nós para colmatar essa falha, para compensar estas imperfeições? Esgotamos a terra, a água e as florestas e poluímos o ar e a água, a uma escala que torna a vida muito difícil.
(Excerto da peça, escrita por Mickael de Oliveira)
É neste regime de auto e intercontrolo que as adolescentes se movimentam, sem espaço para emoções ou sentimentos, sem espaço para a convivência descomprometida, numa constante luta pela sobrevivência numa vida manipulada e manipulável. Os casos de suicídio são a excepção à regra, a manifestação da vontade reprimida. A repressão é ciclicamente retratada: a repressão que as alunas sentem terá sido a repressão que as tutoras outrora sentiram e assim permanecerá, porque “Desaparecer é desperdiçar a nossa energia comum”.
“Sejam como obras de arte. É para isso que ensaiamos.” parece ser a tónica geral da peça, que ocorre num palco quase despido, ocupado pelo grupo de ginastas que o enche na simplicidade de movimentos, mordazes e frios, numa clausura que nos é fácil imaginar pelo contraste visual do chão branco em fundo preto.
Virgens Suicidas estará em cena na Culturgest de 15 a 18 de Janeiro (bilhetes aqui) e seguirá depois para o Teatro do Campo Alegre no Porto, nos dias 24 e 25 de Janeiro (bilhetes aqui).