Votação histórica em França deve abrir caminho ao direito ao aborto noutros países
A Amnistia Internacional (AI) defendeu ontem que a aprovação do Congresso francês da inclusão do direito ao aborto na Constituição é um gesto de “enorme importância”, que deve servir de exemplo para outros países.
“Esta votação histórica faz da França o primeiro país a consagrar o aborto na sua constituição e é de enorme importância dada a reversão deste direito essencial em todo o mundo”, afirmou em comunicado a secretária-geral da AI, Agnès Callamard, esperando que sirva para desbravar “uma proteção mais forte do acesso ao aborto noutros lugares”.
O Congresso francês aprovou ontem a inclusão do aborto na Constituição, tornando-se no primeiro país do mundo a garantir a interrupção voluntária da gravidez como um direito na lei fundamental.
Os senadores e deputados franceses aprovaram o texto com 780 votos e 72 contra, assegurando a maioria de três quintos necessária.
Com esta última etapa legislativa, o projeto de lei constitucional, relativo à liberdade de recurso ao aborto, alterou o artigo 34.º, que passará a incluir “a garantia da liberdade das mulheres de recorrer à interrupção voluntária da gravidez”.
Para a secretária-geral da AI, trata-se de “um ponto alto para os direitos das mulheres e um testemunho de anos de campanha incansável por parte de tantas pessoas”, ao mesmo tempo que “envia uma mensagem de esperança e solidariedade aos grupos de mulheres e a todos os defensores do aborto e de outros direitos”.
Agnès Callamard alertou que “os Estados Unidos mostraram quão devastador, perigoso e retrógrado é minar o aborto como um direito”, e recordou países europeus como Polónia e Andorra, onde o acesso à interrupção voluntária da gravidez “é altamente restrito e onde aqueles que lutam por este direito enfrentam processos judiciais”.
A AI associou-se a outros grupos de direitos humanos no apelo para uma abordagem mais inclusiva, “garantindo que o direito ao aborto seja assegurado não só às mulheres e raparigas, mas também aos homens trans, às pessoas não binárias e a todas as pessoas que possam engravidar”.
Em reação à aprovação, o Presidente francês escreveu na rede social X: “Orgulho francês, mensagem universal. Vamos celebrar juntos a entrada de uma nova liberdade garantida na Constituição”.
Emmanuel Macron anunciou uma grande cerimónia na próxima sexta-feira, coincidindo com o Dia Internacional dos Direitos da Mulher, em frente do Ministério da Justiça, onde pela primeira vez na história o público poderá assistir à promulgação de uma lei pelo Presidente da República.
Os deputados e senadores saudaram a votação histórica com uma ovação, enquanto gritos de alegria foram ouvidos na praça Trocadero, em frente à Torre Eiffel, ao lado do monumento aos Direitos Humanos, onde centenas de defensores do direito ao aborto se reuniram em frente de um ecrã gigante que transmitia a sessão do Congresso.
“Meu corpo, minha escolha” foi inscrito no famoso monumento parisiense para marcar este passo histórico.
Numerosos líderes políticos tomaram a palavra para defender que, embora o aborto não seja questionado em França neste momento, com mais de oito em cada dez franceses a favor da sua inscrição na Constituição, poderá sê-lo no futuro, à semelhança do que aconteceu nos Estados Unidos, Hungria, Polónia ou Argentina.
Antecedendo a votação histórica, a Pontifícia Academia do Vaticano para a Vida defendeu ontem que “não pode ser um direito” acabar com uma vida humana.
“A Pontifícia Academia para a Vida reitera que precisamente na era dos direitos humanos universais não pode haver um ‘direito’ de suprimir a vida humana”, afirmou em comunicado.
A iniciativa já tinha sido aprovada no final de janeiro por uma maioria esmagadora na Assembleia Nacional e, na semana passada no Senado, apesar da relutância de alguns senadores de direita e do centro, que têm a maioria na câmara alta.