‘Wind River’, Taylor Sheridan criou novamente um dos thrillers do ano
Como actor Taylor Sheridan deu-se a conhecer pela sua aparição na aclamada série Sons of Anarchy, mas é como guionista que tem trilhado o seu caminho nos últimos anos, e com enorme sucesso. Depois de escrever o fantástico Sicario (obra superiormente realizada por um dos realizadores mais entusiasmantes dos últimos anos, Denis Villeneuve) e de em 2016 ter escrito Hell or High Water, filme realizado por David Mackenzie, que esteve em exibição no Lisbon & Estoril Film Festival, em 2017 é a vez de Taylor Sheridan conquistar as salas de cinema em Portugal na pele de realizador com o desconcertante Wind River.
Há nos filmes de Taylor Sheridan um condão constante pela crítica social. Em Sicario tínhamos a luta fronteiriça entre os EUA e o México contra os cartéis de droga e a corrupção das forças policiais, já em Hell or High Water era uma batalha contra o capitalismo, causador de tanta miséria e o consequente abandono do interior texano, entretanto esquecido. Em Wind River, o significado não é tão óbvio, mas à medida que nos aproximamos do final, o caminho trilhado pela narrativa de Sheridan não deixa de o clarificar.
É uma América selvagem aquela que Taylor Sheridan cria, idealiza e nos mostra nas suas obras. Uma América onde a beleza, constatável nas paisagens naturais, no ambiente e, por consequência, na fotografia sempre fantástica dos seus filmes, se confronta – e nos confronta – com o selvático geralmente oriundo da natureza (e profundeza) humana, cruel e crua nas suas acções. Wind River não é excepção; pelo contrário, é o filme onde a diferença entre o lado humano e animal é menos tangível e ambos se confluem num só, despojados de sensibilidade, racionalidade e, por fim, perdão, característica que nos é tão necessária.
Wind River começa com uma morte, a morte que irá conduzir toda a narrativa de um filme que em termos de escrita é bem mais simples que os antecessores criados por Sheridan, mas que por outro lado compensa na agudez e na dor transportada pelos seus personagens, assim como pela forma como se impõem pelo seu contexto ou o seu passado. É o caso de Jeremy Renner que volta em grande a protagonizar um filme depois do fiasco que foi ter sido a figura principal da saga Bourne e de nos últimos anos ser mais habitual vê-lo em segundo plano (como em Arrival, curiosamente realizado por Denis Villeneuve). Renner é Cory Lambert, um tracker, um caçador habituado a matar animais selvagens que atormentam o gado em zonas onde a neve cobre tudo quanto pode na reserva índia que dá nome ao filme. Mais do que isso, a personagem de Renner é composta de silêncios poderosos e olhares dolorosos, originários da tragédia pessoal que o atormenta desde um passado recente; e Renner interpreta na perfeição esse peso da sua existência.
Elizabeth Olsen é Jane Banner, a agente do FBI destacada para investigar a morte, e cedo se percebe, nesta sua primeira missão, que está completamente fora do seu habitat. À semelhança da personagem protagonizada por Emily Blunt em Sicario, o crescimento da personagem de Elizabeth é também ele visível e gradual. A mulher insegura que nos aparece pela primeira vez no ecrã não é a mesma no final, símbolo de emancipação num Mundo onde a crueldade à sua volta é maioritariamente criada dos homens. Brilhante performance.
Se o final de Sicario já tinha sido desconfortável, nunca se estará bem preparado para viver com a crueldade que Sheridan nos mostra nos últimos minutos de Wind River. Desconcertante, desconfortável e incómodo são palavras simpáticas para definir algumas das cenas mostradas por um flashback explicativo de todos os acontecimentos. O cinema de Sheridan é feito de traços comuns, mas cada um desses traços traz consigo uma uma frescura de se aplaudir e uma capacidade de nos causar desconforto ao mesmo tempo que nos mete a pensar sobre o sucedido.
Destinado a passar despercebido nesta altura do Verão entre tantos blockbusters de entretenimento fácil que têm uma máquina de marketing a funcionar na sua promoção, Wind River é, ainda assim, de longe, muito mais filme e um dos grandes acontecimentos nesta altura do ano em que a pobreza de conteúdo assalta as salas de cinema.