“X”, de Ti West: libido e violência no Texas

por David Bernardino,    22 Abril, 2022
“X”, de Ti West: libido e violência no Texas
“X”, de Ti West / Imagem de A24
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Este artigo pode conter spoilers.

Ti West começou cedo nas longas metragens ao realizar “The Roost” em 2005 com apenas 25 anos, mas foi à terceira, com “The House of the Devil” (2009), que entrou no radar do cinema mundial. O respeito com que West manipulava a linguagem do cinema de terror americano dos anos 80, desde os símbolos ao ritmo, passando pela fotografia, fizeram de “The House of the Devil” filme de culto e um dos pontos altos do cinema de terror contemporâneo. A expectativa perante a carreira de Ti West era grande, semelhante à de outras rising stars como Ari Aster ou Robert Eggers. Seguiu-se o sólido “The Innkeepers” (2011) e por fim o razoável “The Sacrament” (2013), que parecia ter ditado o fracasso de um jovem realizador promissor. Foi preciso esperar quase 10 anos para ver Ti West regressar ao terror, e o tempo fez-lhe bem, muito bem.

“X”, de Ti West / Imagem de A24

“X” é um regresso triunfal de um estilo cada vez mais raro no horror americano, o slow burn, mais uma vez trazendo ao lume brando a viragem para a década de 80 através de um grupo de jovens texanos que decidem filmar um filme pornográfico em busca do estrelato. O cenário escolhido, a casa de hóspedes de uma velha quinta isolada habitada por um casal idoso, revive o imaginário de slashers clássicos como “The Texas Chainsaw Massacre” (1974). No entanto, ao invés seguir a linha expectável da lógica slasher onde, normalmente, existe um assassino stalker terrível, Ti West consegue, tal como já havia feito em “The House of the Devil”, criar um ambiente ominoso onde realmente parece que nada pode correr mal. Onde está afinal o assassino? “Sim, o velhote dono da casa parece assustador”, pensa o espectador, “e existem crocodilos no lago perto da casa”, mas nada disso aparenta ser suficiente para que, de repente, o desconforto da inusitada situação se transforme numa carnificina. Será este afinal realmente um filme de terror? Na verdade “X” é muito mais que isso, mas Ti West sabe que, da mesma forma que um filme pornográfico avant-garde, um filme de terror livre de amarras formais deve dar ao espectador aquilo que ele foi ver. É delicioso ver como a independência criativa de género e o entretenimento puro conseguem, por vezes, andar lado a lado.

O que Ti West nos propõe é uma dicotomia, por vezes grotesca, entre os sonhos da juventude e o conformismo da velhice, a energia e o cansaço, os desejos sexuais cumpridos e os reprimidos, a promessa de uma vida que nunca chegou a existir… O espectador perde-se na zona cinzenta do conceito de herói. A heroína, no papel, é Mia Goth, ou antes Maxime, a iniciante actriz porno em busca da fama, isto porque Mia Goth interpreta não só a protagonista como também Pearl, a idosa confusa e distraída que, juntamente com o marido, vive nesta velha quinta há décadas e revê a sua juventude na bela e sonhadora Maxime. Além de ser um filme formalmente educado, seguro e consciente, o que realmente acaba por distinguir a originalidade de “X” é a capacidade de caracterizar o casal de idosos, os aparentes antagonistas, de uma forma amoral capaz de causar repulsa no espectador, apenas para a seguir retirar ao espectador esse conforto de opinião ao conferir ao casal uma profundidade dramática que subitamente implora por piedade. E nós, pessoas normais sentadas na sala de cinema ou no sofá da sala, sem saber para onde devemos olhar ou que sentimento devemos nutrir por este suposto casal de vilões. E como é bom ter essa liberdade, cada vez mais rara, no cinema.

“X”, de Ti West / Imagem de A24

A libido de mãos dadas com a violência, dois corolários do cinema trash americano dos anos 70, estão sempre presentes em “X”, levando-nos, impávidos, por todo o desconforto misterioso que é filmar um porno amador num cenário aparentemente tão inóspito, onde vultos e sombras aparentemente espreitam por entre as árvores com intenções desconhecidas. A economia minimalista de Ti West, já utilizada em “The House of the Devil” e “The Innkeepers”, continua bem presente em “X”. Tudo é feito com tempo e espaço para as suas personagens, todas elas, desabrocharem, trazendo sempre drama e novos elementos para uma equação aparentemente linear, mas que de simples nada tem. Pode não ser o mais impactante, esse continuará a ser “The House of the Devil”, mas “X” é sem dúvida o filme mais seguro e robusto de Ti West até hoje e um regresso triunfal à boa forma. E a melhor notícia é que “Pearl”, o seu próximo filme, igualmente protagonizado por Mia Goth, chegará ainda este ano, trazendo com ele uma nova luz sobre a vida da idosa que habita esta quinta perdida no Texas.

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