#29 Essenciais do Cinema – ‘Mishima: A Life in Four Chapters’ de Paul Schrader
Se estás a ler isto é porque chegaste ao “Essenciais do Cinema”– uma rubrica para quem quer descobrir um pouco mais sobre cinema. Com temáticas menos generalizadas, por vezes menos actuais mas igualmente relevantes. Com tudo isto, é normal que por aqui encontres – e temos mesmo de te avisar – mais texto. Bem-vindo ao “Essenciais do Cinema”.
Mishima: A Life in Four Chapters (1985)
Realizador: Paul Schrader
Protagonizado por: Ken Ogata, Masayuki Shionoya e Hiroshi Mikami
É outro dos filmes obrigatórios para os fãs do cinema, é uma das poucas obras-primas lançada após 1980, com uma realização inesperada e surpreendente de Paul Schrader, conseguindo criar um dos marcos do cinema japonês. É produzido por Francis Ford Coppola e George Lucas, “Mishima” – um dos filmes subvalorizados em memória recente – conta a história de Yukio Mishima, um dos mais importantes romancistas do seu tempo, tendo sido nomeado três vezes para o Nobel da Literatura. Conta a história de um homem “ensombrado” pelo seu passado e que tem sempre a necessidade de se mostrar e exibir, apesar de ter obtido tantas nomeações e vários galardões. É um homem perseguido por uma infância frágil em que o amor da mãe, nem sempre correspondido, se torna no mais vital para o pequeno Mishima. Um rapaz frágil, gago, sem ambição, cuidado pela avó e com inclinações homossexuais – mais tarde compensadas pelo embelezamento do físico – que tenta singrar num Japão do pós-guerra que volta a tornar-se num gigante industrial, onde apenas os bons e importantes sobrevivem. Ao crescer, Mishima é sempre posto de lado, por vezes, gozado e incompreendido e refugia-se na sua mente para criar os cenários que, mais tarde, seriam retratados nos seus livros premiados.
Grande parte da sua bibliografia é biográfica – e apesar de não ser admitida e nem sempre clarificada – contém muitos cenários reais que se não aconteceram na realidade, então foram idealizados por um complexado e doente Mishima. Na sua bibliografia, o leitor é conduzido pelas suas angústias, medos e por um passado triste e sem esperança. O filme é composto pelo tempo presente, mostrado a cores, e por vários flashbacks da vida do autor, mostrados a preto e branco. Igualmente, o filme dramatiza cenas de alguns dos romances de Mishima, que são essenciais para descrever o passado do autor e que podem funcionar como ‘ponte’ para as acções presentes do autor.
O clímax do filme e da vida do autor é atingido com uma tentativa de golpe de estado, concebido pelo próprio Mishima, com o seu Exército privado. Isto de facto aconteceu, não é spoiler algum, apesar de frágil e complexado, Mishima consegue criar, com os seus livros, uma legião de fãs e ser respeitado pela comunidade. A tentativa de golpe de estado falha e termina com seppuku por parte do autor. O filme descreve e dramatiza muito bem a sua história de vida. Para além do nível exímio de interpretação por parte de Ken Ogata e por um nível de realização excepcional por parte de Paul Schrader, a banda sonora é, ainda hoje, uma das melhores bandas sonoras de sempre, tendo sido conduzida pelo incrível Philip Glass. É um filme fascinante e curioso, mas ao mesmo tempo, é triste, emocional e incompreensível. Consegue descrever a mente humana ao mais ínfimo pormenor, mantendo a beleza e a fragilidade da mesma intactas. É um excelente relato factual da fascinante vida de Yukio Mishima, muito bem realizado e produzido, com três momentos diferentes: o presente, o passado e as dramatizações dos romances.
É um essencial do cinema, no qual o telespectador deve deixar-se emocionar por todos os momentos do filme, mas nunca esquecendo que é um filme biográfico, com muitos momentos verídicos que poderão chocar os telespectadores mais sensíveis.