5 curtas-metragens do IndieLisboa: colonialismo e progresso

por Bruno Victorino,    2 Maio, 2022
5 curtas-metragens do IndieLisboa: colonialismo e progresso
“Urban solutions”, de Anrne Hector, Luciana Mazeto, Vinícius Lopes e Minze Tummescheit
PUB

Tirando iniciativas pontuais, o vasto universo de curtas-metragens lançadas anualmente continua pouco visto, sendo raramente aposta das distribuidoras nacionais e internacionais. Tratadas historicamente como um parente pobre das longas-metragens, ou apenas como rampa de lançamento para os cineastas, a verdade é que se podem encontrar alguns dos melhores filmes da história do cinema neste formato. Felizmente, vários festivais de cinema nacionais continuam a, resilientemente, considerar a programação de curtas-metragens nas suas diferentes secções. E o IndieLisboa é um exemplo desta tendência, apresentando novamente na sua edição de 2022 um leque recheado de curtas nacionais e internacionais. Através da visualização e análise de algumas das curtas do IndieLisboa 2022 é possível traçar um fio condutor que as liga, verificando-se a vincada prevalência de duas temáticas: o colonialismo e o progresso. 

“urban solutions”, de Minze Tummescheit, Arne Hector, Luciana Mazeto e Vinícius Lopes sobrepõe imagens contemporâneas de condomínios fechados no Brasil — autênticos fortes rodeados por grades, arame farpado, alarmes e câmaras de vigilância — com imagens e narração do período colonial. A estratificação social e desigualdade como herança do esclavagismo, seguranças e porteiros de classes sociais mais baixas, responsáveis pelo sentimento de segurança e pela propriedade privada dos mais ricos, protegidos por cercos sanitários que os isolam da pobreza circundante.

“Constant”, de Sasha Litvintseva e Benny Wagner

Ligado também à propriedade privada surge “Constant”, de Sasha Litvintseva e Benny Wagner, que versa sobre a medição, o seu contexto histórico e a sua instrumentalização política. Acompanhamos os primeiros passos da privatização de terrenos, a Revolução Francesa e a desmaterialização ligada à atual conjuntura de big science. O mais interessante de “Constant” são as opções formais dos realizadores, com a utilização da fotogrametria ou da filmagem com duas câmaras GoPro, criando imagens inventivas e que rimam com a temática da medição.

Voltando à confrontação mais direta do colonialismo temos “Nosferasta: First Bite”, de Bayley Sweitzer e Adam Khalil. Co-escrito e protagonizado pelo artista rastafari Oba, mordido pelo vampiro Cristóvão Colombo em 1492, aquando da descoberta da América, e acompanhando a sua existência contemporânea. Formalmente arrojado e intercalando documentário e ficção, “Nosferasta: First Bite” representa o colonialismo como uma forma de vampirismo, salientando a dificuldade na cura de uma doença que está perpetuamente presente no nosso sangue.

“Nosferasta: First Bite”, de Bayley Sweitzer e Adam Khalil

De regresso ao Brasil, Carlos Segundo apresenta-nos “Sideral”, passado em Natal, onde vai ser lançado o primeiro foguetão tripulado do país. O avanço tecnológico e progresso associado a este acontecimento contrasta acentuadamente com a qualidade de vida da população mais pobre. Um casal com dois filhos vive nas imediações do centro espacial, ela empregada de limpeza e ele mecânico. Seguem a sua rotina habitual até ao momento em que a mulher decide que já não consegue mais suportar esta parca existência.

Por fim, “El Sembrador de Estrellas”, de Lois Patiño, uma city symphony com a componente experimental ainda mais carregada. O quadro negro da noite cerrada de Tokyo pontuado por luzes estáticas (prédios) e rasgado por luzes em movimento (barcos, comboios), assumindo muitas vezes um carácter líquido e fluído proporcionado pelo reflexo da luz na água. E Patiño vai ainda mais longe, reorganizando os elementos no plano (barcos em cima de prédios, água por cima de comboios), enquanto ouvimos os sons da cidade e a narração em japonês, também ela colagem, de textos de Beckett, Borges, Cézanne ou Sontag.

“El Sembrador de Estrellas”, de Lois Patiño

Distribuídas por várias secções do IndieLisboa, com predominância na secção Silvestre, as curtas-metragens elencadas estabelecem um interessante diálogo entre si, na forma como utilizam diferentes formatos e abordagens cinematográficas, rejeitando fórmulas consagradas e alcançando singularmente o seu propósito. Em conjunto, representam um retrato diversificado da história e do seu impacto na contemporaneidade, o progresso como bandeira do avanço civilizacional ensimesmado e pouco permeável ao humanismo e solidariedade.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados