Steven Gerrard, o gentleman pendurou as botas
Tivemos a sorte de ser da geração que viu crescer uma lenda, um símbolo e dos maiores senhores que o futebol já viu. Estávamos em Novembro de 1998, quando Steven Gerrard, na altura com 18 anos, se estreou com a camisola do Liverpool FC contra o Blackburn Rovers. Passados cinco anos obtém a braçadeira de capitão e é já a voz de liderança num dos mais históricos clubes ingleses. 206 golos marcados ao longo da sua carreira, e mais de 700 jogos por um só clube, o seu clube.
Da memória não nos sai um dos melhores jogos de sempre. A famosa final da Liga dos Campeões de 2005, em Istambul. Conhecida como “Istambul Miracle”, a final trouxe-nos uma das reviravoltas mais impressionantes na história. A vantagem de três golos ao intervalo, por parte de um AC Milan recheado de estrelas como Nesta, Maldini, Cafu, Shevchenko, Crespo, Pirlo, Gattuso, Káká e Seedorf (só para mencionar alguns), não fazia antever outra coisa que não a vitória dos italianos. Mas a capacidade de luta, espírito de sacrifício e crença dos ingleses não estavam mortas, e do outro lado estava uma equipa capitaneada por Steven Gerrard. 3-3 no final do tempo regulamentar e prolongamento. No final, na marca das grandes penalidades, a equipa inglesa consegue trazer a ambicionada Liga dos Campeões num jogo que perdurará marcado na memória. Os reds há muito que já mereciam levar para Anfield e para os seus inigualáveis adeptos, um troféu que lhes correspondesse em grandeza.
À Liga dos Campeões juntou ainda a Supertaça Europeia, mas a nível interno, pelo seu Liverpool, continuou a não lograr o sucesso pretendido. O título de campeões ingleses escapa-lhes desde 1990, mas isso não é nada que demova os inigualáveis adeptos, nem quem se apaixona pelo ambiente vivido em Anfield.
Pela selecção inglesa, apesar de ao seu lado estarem alguns dos mais dotados jogadores ingleses que o país já viu como Lampard, Beckham, Owen, Rooney, Rio Ferdinand ou John Terry, nunca conseguiu vencer o que a qualidade destas individualidades, que nunca foram um colectivo, faziam crer.
Quando Steven Gerrard escorregou, há duas épocas atrás, contra o Chelsea de Mourinho, todos escorregámos com ele. O lance viria a dar golo e um revés irreversível na pretensão do Liverpool em chegar ao título de campeão. No nosso interior, sabíamos, desconfiávamos, que Stevie tinha escorregado ante a oportunidade de se despedir da forma que merecia dos grandes palcos, com um título pelo clube do seu coração. Apesar dos nove títulos conquistados enquanto jogador do Liverpool, faltou o principal.
No final dessa época rompeu com um vínculo que, no entanto, ficará para toda a vida. À despedida faltou ornamentos que a enfeitassem da forma que ela merecia. O Liverpool e o seu capitão decidiram afastar-se, pelo menos por uns tempos, e Gerrard foi para Los Angeles, viver o american dream na Major League Soccer. Com o símbolo dos LA Galaxy ao peito, foi um corpo estranho naquela camisola, e os holofotes da espampanante Los Angeles não faziam jus ao brilhantismo do craque. No início deste mês Steven Gerrard anunciou que ia sair do clube estadunidense, mas ainda não era certa a sua despedida dos relvados. Até hoje.
Aos 36 anos, o inglês deu então por terminada a sua carreira futebolística. Como gentleman que é, e com a classe que sempre nos habituou dentro (e fora) de campo, Gerrard, sabendo que já não estava na plenitude das suas capacidades físicas, decidiu pendurar as chuteiras.
Hoje, despedimo-nos de um dos grandes. O futebol ficou, assim, mais pobre. Gerrard não precisou de ganhar a ansiada e deseja Premiership pelo Liverpool para que deixasse de sair do futebol pela porta grande. Steven Gerrard será, para sempre, um dos imortais do futebol. Liverpool não é só a Liverpool dos Beatles.
“You will never walk alone”, Stevie.