Noname ao vivo: a honestidade desconcertante da rapper smooth
Esgotado e a abarrotar. A música da rapper de Chicago merecia mais espaço para nos podermos balançar ao som do baixo e percussão contagiantes, mas foi justa e justificável a procura de bilhetes para assistir à estreia de Noname em solo português. Ocorria-nos a ideia — enquanto observávamos nas filas de entrada os olhares entusiasmados do público — de que o hip hop, género que nesta década se afirmou como a nova pop para toda uma geração, não marca uma presença nos palcos portugueses proporcional ao seu número de ouvintes. Talvez por isso haja sede de rap ao vivo — colmatado em grande parte, no que toca à cena internacional, por dois ou três festivais de verão.
O músico responsável pela primeira parte do concerto, TheMind, iniciou a performance uma hora antes da subida de Noname ao palco, mas ainda assim já contou com casa praticamente cheia para escutar a sua actuação. O R&B dengoso do artista, acompanhado pelo excelente guitarrista que, minutos depois, também estaria ao serviço da rapper americana, pôs o público a balançar-se. Destaque para a digna cover de “Self Control”, de Frank Ocean — ninguém sabe quantos anos teremos de esperar até que Ocean decida visitar o nosso país, mas é bonito perceber que a sua música tem já raízes bem entranhadas, mesmo entre um público apanhado de surpresa.
Após o concerto de theMind, a espera pareceu interminável. Havia um motivo válido, que passámos a conhecer minutos mais tarde pela voz da própria Noname: a banda ficara presa um quarto de hora no interior do elevador do Lux. Talvez a impaciência resultante do incidente tenha contribuído para a pressa da sequência inicial do concerto, em que Noname juntou os primeiros três ou quatro temas praticamente sem interrupções. A fusão melódica de jazz, R&B, neo-soul e do hip hop — interpretada por um virtuoso conjunto de músicos e um par de inspiradas vozes de suporte — inundou a sala e contagiou o público com a sua vibrante energia.
Noname escolheu Lisboa para ser a última data da digressão de apresentação do seu primeiro álbum de estúdio, Room 25. O álbum, lançado o ano passado e recipiente de grande aclamação crítica, nasce três anos depois de a artista se ter apresentado por meio da excelente mixtape Telefone. O concerto foi recheado de temas destes seus dois trabalhos, embora uma boa parte deles tenha sido interpretado em formato abreviado, o que talvez tenha retirado alguma da sua magia — não dava tempo para mergulharmos neles. Contudo, a sonoridade fazia jus aos trabalhos de estúdio.
Fatimah Nyeema Warner, o nome que se esconde por detrás do pseudónimo artístico, é uma voz dissonante no meio do rap. Num género em que a personalidade e aquilo que se tem para dizer constitui logo meia receita, a artista apresenta-se de maneira desconcertantemente honesta. Aparentemente ingrata, até. Está ansiosa por daí a meia hora acabar o concerto e voltar de avião para casa; manda o público calar-se diversas vezes com “shhhhh, don’t talk, listen to me!”, quando alguma intervenção da plateia quer estabelecer diálogo com ela; e esfrega-nos na cara a afirmação de que será impossível igualarmos o público de Barcelona. Contudo, a maior parte das pequenas provocações são acolhidas com gargalhadas pela plateia, que gosta de Fatimah precisamente pelo que ela é (sentido de humor incluído). E a artista reconcilia-se com a criação de um meme em tempo real: o grito de guerra “Tequila!” torna-se piada entre artista e plateia, e marca a segunda metade do concerto.
A verdade é que, para lá do humor, Noname soube expor de forma admirável a fragilidade que também caracteriza a sua música; porque é parte dela mesma. Movimentando-se com ligeireza pelos ritmos envolventes, Noname foi conduzindo o espectáculo, que teve direito a diversos momentos de euforia colectiva. Foi pena o pouco espaço para dançar, mas íamo-nos mexendo como podíamos. O baixista bem puxava por nós; seria injusto não destacar o trabalho de baixo ao longo de boa parte do concerto.
Uma hora depois de ter começado, Noname sai do palco, apenas para voltar um par de minutos depois para um dos momentos mais curiosos de toda a noite. Sozinha, e com a ajuda da plateia, que dirige como maestrina, interpreta “Shadow Man” numa versão a capella. Pede ao público que não se cante muito alto; que quase se segrede. Foi um momento que expressou perfeitamente o intimismo da música de Noname. Resta-nos esperar que, para a próxima, Lisboa seja escolhida como a primeira cidade da digressão.