“Once Upon a Time in Hollywood”, de Quentin Tarantino: música antiga, com a mesma letra, e novas histórias
Era uma vez um miúdo que via cinema de forma descoordenada, vivia nas salas de cinema, nos clubes de vídeo, saltitando de género, nas sessões contínuas. O cinema na sua forma mais popular. Esse então jovem realizador deu-nos agora aquele filme em que parece resumir tudo, toda a história, todas as histórias, todas as músicas. Toda a nostalgia. Pena é que em Portugal tenhamos de esperar até ao dia 8 de Agosto para ver “Once Upon a Time in Hollywood”, ou em português “Era uma Vez em Hollywood”! O tal penúltimo filme de Quentin Tarantino.
Ao longo das 2h39 minutos, Tarantino leva-nos a uma sensacional viagem através do cinema, do efeito hipnótico da televisão nos anos 50, ao western spaghetti, à própria mitologia do cinema. Um filme potente, cheio de energia, cheio de cinefilia, cheio de música – sempre que se abre a porta de um carro, surge a oportunidade para fazer essa descrição sonora em mais uma banda sonora que promete.
Já se sabe, já vimos todos o trailer. Brad Pitt é Rick Dalton, o duplo de serviço de Leonardo DiCaprio, Cliff Booth, uma estrela do western televisivo. Um é disciplinado e vigoroso para que o outro possa ser alcoólico e inseguro. É nos anos 50 que começamos, em plena euforia da televisão, numa altura em que o cinema tem também a sua quebra maior e que procura todas as fórmulas para se reinventar. Do grande ecrã, para combater com o pequeno, os efeitos visuais. E vamos para o presente, 1969. E o que temos? Um Cliff um bocadinho out of time. É o western que se reinventa com as possibilidades que chegam da Europa, em Itália e em Espanha, o western Spaghetti ou o dirty cinema, vulgo cinema porno, que dava também os primeiro passos.
Em “Once Upon a Time in Hollywood” acompanhamos assim o trabalho em Hollywood destes dois amigos. Rick é mais do que o duplo, é uma espécie de consciência boa. Mas Cliff também se supera quando está a representar, pois é na ficção, na sua meta-vida, que gosta de viver. E até esquece a sua ligeira gaguez. Acabará assim por tentar sobreviver ao tempo procurando em Itália a alternativa do cinema esparguete à televisão já out of time no final dos anos 60.
Como se imagina, Tarantino gosta do lado de época e aborda precisamente esse período – será que alguma vez daí saiu? – para nos fazer viver o lado meta do cinema. Há Playboy Mansion, há figuras reais como Sharon Tate (Margot Robbie) a atravessar todo o filme, Roman Polanski (o polaco Rafal Zawierucha), Steve McQueen (Damian Lewis), Bruce Lee (Mike Moh), numa cena hilariante com Rick (Brad), enfim, a mitologia que desenvolve uma história própria mas que não valerá a pena revelar spoilers.
Tal como nos filmes anteriores, Quentin vai ao baú e submerge-se em referências e detalhes de referência nostálgica, mas que acabam por acrescentar algo ao ADN do próprio cinema. Por isso, teremos de dizer que este “Era uma Vez em Hollywood” é também um pouco esse olhar para a história do cinema, mas que lhe acrescenta algo de novo. Isso acontece, por exemplo, quando Tarantino dá nova cor aos temas musicais contando novas histórias com uma letra antiga. Como sucede no tema clássico dos Rolling Stones Out Of Time quando os dois regressam de Itália. É difícil não ficar arrepiado: You don’t know what’s going on, You’ve been away for far too long, You’re out of touch, my baby, I said, baby, baby, baby, you’re out of time.
É claro que nesta altura se torna desnecessário falar em previsões de prémios, embora se torne também claro que Quentin Tarantino deixou aqui um dos trabalhos em que vai mais fundo na sua concepção de um cinema ancorado no jogo de géneros, na revisão do passado mas que não deixa de inspirar o cinema mais jovem. E satisfazer a nossa cinefilia.
Espera, então temos um filme do Tarantino sem sangue? Calma: imagine-se então o resultado quando se junta uma seita, um cigarro embebido em LSD, um lança-chamas e uma cadela Pit Bull.
Era uma vez…
Artigo escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt