Crónica de uma quase-crise anunciada
Não é novidade para ninguém que o jornalismo, em Portugal, está em período de crise anunciada. A carga de trabalho é excessiva, as remunerações (quando as há) são baixíssimas tendo em conta o grau de responsabilidade pública que a profissão acarreta, a informação carece em muitas ocasiões do rigor que merece face à formação de uma comunidade de leitores atenta e inteligente. Não me supreende mas sinceramente me entristece o facto de um dos principais jornais de refererência em Portugal, o Público, ter recentemente dispensado três dos mais interessantes jornalistas, cronistas e repórteres cujo percurso venho acompanhando desde há, pelo menos, cinco anos: refiro-me ao nomes de José Vitor Malheiros (um dos fundadores do Público), Alexandra Lucas Coelho e Paulo Moura, os dois últimos que cessaram a colaboração com este jornal ainda esta semana. Não será por esta decisão (no mínimo injusta) que interromperei a minha leitura diária do Público, mas sem a voz e, sobretudo, a escrita deste três talentosos nomes do jornalismo português, a minha percepção sobre os acontecimentos que gerem o nosso país e o mundo ficará necessariamente mais empobrecida. Não se trata de uma catástrofe: o facto de já não poder ler os lúcidos artigos de J. V. Malheiros, as ‘literárias’ crónicas de Alexandra Lucas Coelho, ou as reportagens de grandde fôlego de Paulo Moura, levam-me a perguntar: entre os melhores e mais experientes, que são dispensados, e as gerações mais novas em situação de desemprego, que querem aceder ao universo das redacções, que tipo de espaço existe para a construção de um jornalismo de qualidade em Portugal? uma coisa é certa: os jornais não têm dinheiro nem sequer capacidade de arriscar, muito menos de serem originais, essa palavra tão estranha que o capitalismo degenerou em ‘criatividade’. O jornalismo é feito todos os dias pela colaboração incansável entre jornalistas e leitores. Sem os primeiros, os segundos não existem. Ou pelo menos, eclipsam-se ou contentam-se com informação dúbia, errónea, nos limites da simples falsidade. O jornalismo, de facto, não está em crise: ainda vai estar, num devir muito longínquo que jamais nos afectará. Mas, como dizia o outro, em terra de cegos quem tem olho e vê ao longe é normalmente aquele que é convidado a abandonar o barco. Para os chineses, a crise é tanto um momento preocupante como um tempo para se fazer a diferença. Vejamos o que nos reserva a utopia.
Fotografia de Patrícia Leitão