Basqueiral 2019: finos com Conjunto Corona e Cave Story, origamis com Surma
Conjunto Corona
Pelas 14h15 deste segundo dia de Basqueiral em Santa Maria de Lamas decidimos aproveitar os problemas técnicos no Palco Museu para nos sentarmos com David Bruno. Subimos umas escadinhas por trás dos camarins e fomos parar a uma espécie de pátio. Aí, numa mesa de piquenique, tivemos uma conversa muito interessante com este que é a metade instrumental do Conjunto Corona. Por entre hidromel, Chico da Tina e máquinas de sulfatar, dB contou-nos a história de Corona – tanto da personagem como das pessoas por trás dela. “Mas ainda não tinha nome, a personagem. E surgiu mais tarde ao ouvirmos uma música de um grupo americano que é os Beatnuts, e eles no fim de uma música dizem ‘Corona is in the house!’. E eu disse ‘Corona?’ – com pronúncia do Porto – é um nome que poderia perfeitamente ser o nome de uma destas personagens da Baixa do Porto”.
O músico assegura que, enquanto os discos forem feitos em sua casa, produções caseiras assinadas por si e por Logos (Edgar Correia), os álbuns do Conjunto nunca irão encontrar um fim. “É tudo caseiro. É feito em minha casa: a gravação, a mistura, a masterização. E é uma coisa que nós nunca queremos deixar de ter porque o sabor da música feito em casa… sei lá, é tipo a marmelada. Tu podes comer uma marmelada espetacular do Continente de uma marca alemã, mas se calhar se há uma marmelada da tua avó, que nem é tão boa como aquela, mas foi feita em casa… estás a ver o valor sentimental associado?”
A valorização do caseiro, do típico e do espontâneo estão no centro da essência deste grupo pouco convencional. David Bruno contou-nos, ainda (e quase em exclusivo), a história do Homem do Robe, a figura icónica que acompanha o Conjunto nos concertos e distribui shots de hidromel – considerado como o momento mais espiritual das atuações do grupo. “Ele agora está a começar a sair do nosso universo, como se fosse um spin-off. Eu acho que, se um dia Corona acabar, o Homem do Robe vai ser eterno”.
Cave Story
Os Cave Story são – tal como se apresentam (e muito bem) – uma banda de rock profissional das Caldas da Rainha. Gonçalo Formiga é o frontman do grupo; a acompanhá-lo estão Zé Maldito, Ricardo Mendes e Pedro Zina.
Conseguimos juntá-los numa mesa a poucos minutos de subirem ao Palco Tendinha dos Clérigos, para uma curta conversa sobre este seu segundo disco: “fomos buscar mais aquelas influências, aquilo que nos inspirava na origem do que começamos a tocar. O título, por acaso, veio primeiro e depois começamos a explorar aquilo que realmente nos interessava, que nos entusiasmava – toda a dinâmica do punk e do DIY”.
Falam sobre o regresso às origens que constitui Punk Academics, como exploraram certas questões – o porquê de fazerem isto – e as razões de viverem para a música e para o punk. Fugindo de estrutura musical e inspirações, Gonçalo acaba por cair em domínios reflexivos. “Eu acho que, para o bem e para o mal, é um disco bastante mais cerebral e muito menos emocional. (…) É um disco transversal nesse sentido, porque qualquer pessoa poderia ter dito isto da mesma maneira que nós… ou talvez não da mesma maneira, mas de uma forma parecida”.
Surma
A quinze minutos da meia noite sentamo-nos com Surma no chão de madeira do Museu de Santa Maria de Lamas. Com a companhia de figuras barrocas e origamis, demos liberdade a Débora Umbelino – a menina de Leiria que dá voz a este projeto experimental único e inovador – para falar do que quisesse.
“Processo criativo? Epá, é uma coisa um bocado estranha, porque há muita malta que se inspira em bandas e em sons, e eu inspiro-me no silêncio e na isolação. Ou seja, eu tenho que ir para Leiria, para apagar tudo o que me vai na cabeça e estar no silêncio total e tenho que deixar de ouvir música durante para aí uma semana. (…) Levanto-me a meio da noite com ideias na cabeça e gravo no telemóvel meia zombie e depois na manhã seguinte ouço essas ideias que, epá, podem estar uma total porcaria ou podem estar assim uma música com um potencial fixe. E trabalho essa mesma música no dia a seguir; tanto que aconteceu com a ‘Maasai’, com a ‘Hemma’ e no Antwerpen em geral, foi um processo assim muito engraçado. E até agora tenho o telemóvel cheio de ideias perdidas no microfone, com mil e uma coisa que eu gravo a meio da noite. Ainda nem as ouvi – para o álbum novo estão essas ideias”.
Falamos da universalidade do projeto, da capacidade que o Surmês tem de, por vezes, não dizer nada em concreto, mas dizer tudo ao mesmo tempo, em qualquer idioma. “Eu quis criar Surma também com esse intuito de criar uma coisa muito própria, que é um bocado difícil ser hoje em dia – acho que está tudo muito feito e é muito difícil seres único”.
“Eu liberto tudo o que tenho na cabeça. Se tu me fores tocar a meio de uma música parece que acordo. É muito estranho, o meu cérebro parece que se eleva lá para cima e volta depois de a música acabar”. Toda a gente que já ouviu o disco de estreia da artista sabe que este se trata de uma epopeia sonora, uma que nos leva numa viagem épica por lado nenhum e tempo nenhum, nem pelo passado nem pelo futuro – apenas o aqui, o agora e a libertação do ser. “O meu principal objetivo é as pessoas apagarem tudo o que têm na cabeça delas e tentarem viajar o máximo possível num concerto meu”.