Cass McCombs apresentou a sua carreira de canções fortes
Foi no passado sábado, 9 de Novembro, que a Galeria Zé dos Bois recebeu o compositor e instrumentista Cass McCombs. A sala assumidamente pequena para a envergadura da carreira de um artista bem reconhecido na paisagem da música alternativa contemporânea revelou-se o local ideal para um concerto intimista, que se dedicou ao seu último álbum Tip of the Sphere – lançado este ano -, revisitando ainda outros clássicos mais recentes. O público atento vibrou com as guitarradas de canções mais aguerridas como “The Great Pixley Train Robbery” ou “Big Wheel”, e demonstrou respeito quando as coisas se acalmavam, como aconteceu em “Real Life”.
A abrir o concerto de Cass, tivemos direito a uma iteração com as mesmas inspirações na música americana, mas provinda do outro lado do oceano. A britânica Katy J Pearson, que se fez acompanhar da sua banda, partilhou connosco a sua voz à Angel Olsen, mais imberbe, mas com aquela nasalização característica. A artista deu um concerto leve e bonito, antevendo as canções que farão companhia a “Tonight”, única canção lançada até agora no Spotify. Esta última fechou o espectáculo, com a sua guitarra a lembrar Real Estate e um ritmo despreocupado, bem evocativo de um final de Verão. Uma boa surpresa que ainda há-de fazer algumas ondas na música.
No início do concerto do protagonista da noite, deu-nos a sensação de que todas as canções que tocava eram ideais para abrir álbuns: afirmações poderosas, com instrumentais que se impõem e exigem atenção. Entretanto apercebemo-nos que três das cinco canções que ouvimos eram realmente aquelas que abrem três dos seus álbuns mais recentes – “I Followed the River South to What” é de Tip of the Sphere e encontra Cass num registo não muito comum, quase gritando as letras, com uma intensidade por vezes desafinada, mas sempre genuína; “Bum Bum Bum” é uma das mais reconhecidas do artista, abrindo o muito amado Mangy Love, de 2016. O seu ritmo convidativo, aliado à melodia nostálgica e à métrica que convida a que o ouvinte acompanhe o artista na voz, foi um dos mais bem recebidos da noite; “Big Wheel”, da quase-antologia Big Wheel and Others, de 2013, foi especialmente musculada, com um solo prolongado que encheu a sala pequena e abriu as portas para que a América entrasse de rompante, sala adentro. No entanto, a sensação de que todas as canções poderiam inaugurar álbuns manteve-se. Ao longo de uma hora e 45 minutos, a sua carreira frutífera com cerca de vinte anos foi destilada numa setlist bem equilibrada.
Prova desse equilíbrio foi o momento acústico, em que o baterista foi descansar do clímax de “Big Wheel” e o resto da banda se dedicou a manter um ambiente mais contemplativo. “Real Life” soou bonita, mas o seu narcotismo não teve o mesmo impacto que a nocturna “County Line”, mais uma canção inaugural (de Wit’s End, álbum supremo de Cass McCombs) que impressiona não por ser um portento auditivo, mas sim pelo impressionismo da sua letra e pela afectação que Cass imprime na sua entrega. O facto de ter sido retrabalhada não lhe retirou a sublimidade que tem em álbum, sendo um dos momentos mais fortes da noite.
Pelo meio de toda a constância de singer-songwriter, ora mais folk, ora mais rock, a baixista saca de um gongo e um ritmo quase hip-hop sai das colunas. É “American Canyon Sutra”, o momento spoken-word de Tip of the Sphere, em que nos é contada a história de parques infantis, parques de estacionamento e lixo, uma visão americana decadente que muitos já exploraram. No entanto, o som do gongo torna esta reflexão em particular especialmente hipnótica, com o seu som incompleto que parece ficar a pairar, um pouco como a prosa que nos é contada e que acaba subitamente a meio de uma referência ao Walmart, sugerindo que este tipo de coisas não têm fim.
Até ao final, passamos por diversas paisagens na ponte entre a folk e o rock. “Opposite House” (infelizmente sem Angel Olsen, que faz a sua segunda aparição neste texto) é calorosa, evocativa e melancólica; “Rancid Girl”, como o nome indica, é suja e árida; “Rounder” trouxe a experimentação jazz para a mesa, com as teclas à la Fender Rhodes tocadas por uma personagem de um western do Tarantino a pontuar o final dos seus 11 minutos; “Tying Up Loose Ends”, que em álbum tem um certo pendor country, cumpriu o que o seu título propõe, servindo como um preâmbulo apaziguador para a última música do set, o single “Sleeping Volcanoes”.
O encore começa sombrio e de forma inesperada, com “I’m a Shoe”, a canção mais deprimente de Mangy Love, mas também a mais indutora de trance. Perdoámos o artista por nos ter posto nesse estado de espírito num Sábado à noite porque a canção vale a pena, mas também porque logo a seguir, para amenizar as coisas, veio o ritmo constante de “Brighter!”, o supremo sing-along do seu repertório, para nos animar.
Saímos para a noite amena de Lisboa com a sensação de que assistimos a algo especial. O ambiente intimista contribuiu para isso, mas também a qualidade de quem faz isto há muito tempo e realmente adora fazê-lo. Cass McCombs não dá sinais de querer parar, felizmente para nós.