Entrevista. Bernardo Conde: “O National Geographic Exodus Aveiro Fest procura fazer reflectir, levantar questões e tenta provocar a mudança”
Por ocasião da 3.ª edição do National Geographic Exodus em Aveiro, que aconteceu no fim-de-semana passado, tivemos a oportunidade de entrevista Bernardo Conde, o mentor do evento, na véspera da realização da iniciativa no Centro de Congressos de Aveiro.
O Bernardo é um apaixonado por fotografia, natureza e acima de tudo por pessoas. E quando não está em viagem dedica-se, entre outras coisas, à organização do National Geographic Exodus Aveiro Fest. Evento este que gostava de ampliar, levando exposições para as ruas e de tornar o festival ainda mais visível para as pessoas.
Aos 34 anos, saíste sozinho para percorrer, a pé e de mochila às costas, os mais de 800 km do Caminho Francês de Santiago. Como é que hoje olhas para esse Bernardo?
Quando penso nesse caminho penso em duas grandes lições; a primeira é que o melhor do mundo, independentemente de estar todo revirado, será sempre as pessoas. Tive situações de estar super entalado, enrascado, lesionado e quem não me conhecia ajudou-me. A outra grande lição para mim, e que não foi propriamente espiritual, foi a experiência humana, a conexão com os outros, e por muitos problemas que tenhas tudo se resolve, a base é que tu aceites as coisas más que te acontecem. Apesar de neste momento estar num sofrimento psicológico e numa pressão muito grande [faltavam poucas horas para o arranque do festival].
Posso dizer que quando acabei o Caminho Francês de Santiago, e durante seis meses a um ano, parecia que tinha um mega escudo e que nada me tocava. Estava com uma moral gigantesca. Entretanto tu desconectas-te disso e começas a mergulhar na rotina e não te consegues libertar o suficiente do pensamento que é “ok, estão estes problemas acontecer e tu não consegues pensar que tudo se vai resolver”.
Foi aí que surgiu esta ideia de criares um festival de fotografia e vídeo na cidade de Aveiro?
Não. O clique para o festival de fotografia aconteceu em 2015. Portanto, cinco anos depois do Caminho de Santiago. E nessa altura já fotografa e dava workshops de fotografia, já tinha uma relação muito próxima daquilo que faço hoje em dia. Mas foi através dum trabalho para a Fundação de Turismo da Toscana em que durante uma semana andei a fazer cobertura de eventos culturais. E um dos eventos que fiz cobertura foi um festival de fotografia numa cidade lindíssima, ao ponto de se calhar ser mais pequena do que Aveiro, que se chama Cortona. E lá também acontece um festival de fotografia de viagem mas num registo completamente diferente do que fazemos no National Geographic Exodus Aveiro Fest. Mas este festival fez-me pensar que era fixe termos um festival destes em Aveiro e eu andei a marinar isto na cabeça, durante dois anos, e em 2017 falei com o Pedro Cerqueira e criámos uma equipa, um painel de fotógrafos e mandámos convites, onde tivemos quase toda a aceitação. Depois apresentámos o projecto à Câmara de Aveiro, que nos cedeu o espaço e algum apoio financeiro, e o pojecto aconteceu.
Este festival procura pegar em pessoas com experiências de vida, carreiras, projectos que foram desenvolvidos profissionalmente que de alguma forma servem para informar sobre como é que o mundo está nos mais diversos âmbitos.
Depois do projecto iniciar como é que a National Geographic surgiu?
A National Geographic aparece seis meses depois de andarmos a divulgar o Exodus. Começámos a divulgação em Fevereiro e em Agosto bateu-nos à porta. E por uma particularidade especial: uma das pessoas que estava à frente da National Geographic tinha uma grande admiração pela fotojornalista Ami Vitale, que ia ser nossa oradora no festival. Depois vieram ao festival a Aveiro e começaram a pensar que os valores e prática do que fazíamos aqui tinham tudo a ver com a National Geographic. Então fez-se uma parceria.
Achas que este conhecimento de novas culturas, que cimentam a relação entre o Homem consigo mesmo e com a Natureza, e sendo este o mote do festival, podem alertar e dificultar o reaparecimento destes movimentos extremistas um pouco pela Europa e pelo Mundo?
Acho que quanto mais informação houver melhor, e este tipo de eventos servem para informar, e acho que da forma correcta. Quando criamos eventos como este, que produzem boa informação, inspiração, onde usamos exemplos de pessoas que estão nos mais diversos locais do mundo, que vivem e vêem o mundo como ele é, sem grandes ilusões, malabarismos ou filtros, então estamos a passar a informação certa às pessoas.
Este festival procura pegar em pessoas com experiências de vida, carreiras, projectos que foram desenvolvidos profissionalmente que de alguma forma servem para informar sobre como é que o mundo está nos mais diversos âmbitos; seja na parte partilha de experiências humanas, condições humanitárias, questões culturais, étnicas ou na parte ambiental. E com isso reflectir, levantar questões e tentar provocar a mudança.
Devo conhecer uns vinte países e nenhum é tão bonito e esmagador do ponto de vista da paisagem como a Islândia.
Depois da consagração do National Geographic Exodus Aveiro Fest a ideia agora é levar o festival por mais cidades do país. Esta é talvez uma ideia original e que não acontece muito em festivais de fotografia e vídeo desta dimensão no nosso país. A ideia é mostrar o mundo lá de fora cá dentro?
A ideia é essa. As iniciativas, sejam elas exposições fotográficas ou partilha de documentários, que queremos levar para outras cidades do país, não vão adulterar a lógica do festival. Se a médio prazo tivermos estas iniciativas de três em três meses já nos damos por satisfeitos. Obviamente, se o festival for crescendo, gostaríamos de ter uma dinâmica cada vez mais presente. Mas para isso precisamos que o evento cresça e se consolide.
Também gostávamos muito de ter capacidade financeira para levar exposições para as ruas e de tornar o festival mais visível para as pessoas. Por exemplo, de termos fachadas de edifícios com exposições fotográficas, em grande escala, espalhadas por toda a cidade, e sensibilizar através da arte fotográfica. Mas lá está, para isso é preciso muito dinheiro, licenças… burocracias. Adoraríamos arranjar um patrocinador que dissesse “Ok, vocês têm este espólio fotográfico, e têm autorização destes fotógrafos, então alinhamos convosco nisso e vamos fazer uma mega iniciativa”.
Já viajaste pela Mongólia, Madagáscar, Tailândia, Laos e Camboja e és um verdadeiro apaixonado pela Islândia. Qual foi o país em que te adaptaste mais e menos, relativamente à sua cultura?
Do ponto de vista cultural, provavelmente, a Islândia. Devo conhecer uns vinte países e nenhum é tão bonito e esmagador do ponto de vista da paisagem. E de cada vez que lá vou sou surpreendido. Ainda agora em Outubro fiz uma caminhada, que já tinha feito em Junho só com nevoeiro e não via nada, e de repente vi uma montanha meio colorida ao fundo com cascata, moreias a serpentear, era um vulcão a deitar um bocadinho de lava e tínhamos toda a Islândia ali.
Os islandeses não são muito fechados?
Não. Os islandeses são 350 mil e 200 e tal mil vivem em Reiquiavique e quanto mais longe estiver da capital melhor me sinto. E não é para fugir aos islandeses é o tipo de viagem. Já tive experiências muito boas com islandeses, ainda recentemente uma senhora, que vive numa quinta de turismo rural, onde costumo ficar muitas vezes, despediu-se de mim e disse: “este rapaz é um raio de sol” e deu-me um abraço. Um islandês ter esta proximidade não é muito comum.
E como é a gastronomia, por exemplo?
A gastronomia islandesa não é propriamente fabulosa. Dos países que eu faço como líder de viagem, o que tem melhor gastronomia é Madagáscar. É cómico não é? É o país que está no top 10 da escala de pobreza mundial e é onde tem a maior variedade gastronómica, onde se come maravilhosamente bem, e poucas pessoas do próprio país têm a possibilidade de comer a boa carne de vaca que eles têm, marisco e peixe. E isso é irónico, não é? A maioria da população só come arroz. Com sorte come galinha. E é super triste pensar nisso.
Como é sabido, és líder de viagens pela Nomad. E passas grande parte do ano fora do país. Como é conciliar as viagens com a programação e organização do Exodus? Uma coisa soma-se à outra?
Sim! Porque fazemos isto como equipa. E temos uma pessoa que é incrível no seu trabalho que é a Isabel. E depois também o outro factor que é o tecnológico, que apesar de eu estar longe estou online todos os dias e todos os dias falamos de coisas. É a solução ideal? Não, não é. Mas de momento é a forma como conseguimos gerir.