Entrevista. Conan Osiris: o rapaz do futuro que é um “real boy”
Conan Osiris lançou “Adoro Bolos” há dois anos. Na altura, trabalhava numa loja – a loja a que tanto se refere – e fazia músicas no computador, ao jeito mais rudimentar que a tecnologia permite. Depois começou a ser falado, os trejeitos sui generis, as sonoridades, a mescla de estilos e uma elevada dose de espanto fizeram com que começasse a ser solicitado para tocar aqui e ali, atraindo excelentes, boas e más críticas e inúmeras comparações a António Variações. O concerto que deu no Vodafone Paredes de Coura 2018 deu-lhe uma ainda maior exposição e o ano de 2018 culminou com um Tivoli ao rubro no Super Bock em Stock e presença em quase todas as listas de melhores do ano de rádios e publicações.
Em 2019, anunciou a ida ao Festival de Canção com “Telemóveis” e Conan Osiris entrou na casa de todos os portugueses, atraindo excelentes comentários e uma enxurrada de críticas. A vitória no Festival da Canção deu azo a uma das maiores campanhas de amor/ódio powered by redes sociais. No final, Conan Osiris, ou Tiago Miranda, continua a ser o mesmo que trabalhava numa sex-shop algures na Baixa de Lisboa, que sabe o que é e o que vale, apesar de todo o ruído que tem pairado à sua volta este ano. Conan Osíris actua no dia 12 de Dezembro no Coliseu dos Recreios, uma estreia que mais do que esperada, é merecida.
Foi exactamente nos ensaios para o Coliseu que falámos com Conan Osiris e foi assim:
Há praticamente 2 anos saiu o “Adoro Bolos”, quando o lançaste tinhas ideia que isto ia ser assim?
Não, nunca pensei. Tu fazes sempre aqueles planos na tua cabeça de “Uau, um dia, talvez” mas depois quando estás realmente a trabalhar pensas “Ok, estou só aqui a trabalhar na loja, vou lançar um álbum, está tranquilo”. É óbvio que quando lancei não tinha nada dessa planificação feita, mas aconteceu e aqui estamos.
E bem. Quando decidiste ir ao Festival da Canção e depois à Eurovisão – é evidente que não tinhas intenções de ganhar. Achas que foi um factor preponderante que te levou agora ao Coliseu?
Não, estava de todo à espera de ganhar. Da parte portuguesa, mal acabei a música nunca achei que iria ganhar. Pensei “estou a fazer uma música minha, com o meu estilo, vai ser só para participar”… Em relação ao Coliseu, não posso dizer que tenha sido totalmente por causa disso, mas também não posso dizer que não me ajudou.
Mas já tinhas uma base de fãs…
Sim. Não sei, é uma daquelas coisas que only God knows…
Acho que nunca falei nisto mas o contacto com a Ana Moura, sendo ela uma pessoa que conhece toda a gente, acabou por legitimar um pouco mais a parte de “músicos reais” do meu trabalho. Imagina, encontro uma validação junto dessas pessoas que eu não estava à espera de conseguir.
Isto porque há precisamente um ano, no Super Bock em Stock, esgotaste um Tivoli e foi um concerto belíssimo…
É engraçado estares a falar nisso e é engraçado ter sido agora porque foi precisamente nesse dia que experimentei tocar com um músico, que foi o Sunil [Pariyar] na altura. E foi uma experiência super curta. Foi efectivamente a partir daí que comecei a pensar que se calhar podia trabalhar com mais músicos. E foi a partir daí que ele se juntou à nossa team oficial de cada vez que vamos tocar a qualquer sítio, principalmente cá em Portugal. Mas foi a partir daí que as coisas começaram a mudar para um formato que vai efectivamente culminar agora neste formato do Coliseu.
O que podemos esperar da reinvenção desse concerto no Coliseu?
Estamos neste espaço, por isso dança vai ter, vai ter também… não queria ser muito técnico, mas sendo técnico, eu tenho muitas cordas na minha música e sempre quis ter, porque tenho muitas referências de música orquestral, música clássica. Não sendo eu uma pessoa que ouve música clássica, muita da música que eu ouço tem elementos clássicos, cordas e etc. E isto, sem dar muitos spoilers, posso dizer que vou ter muitos dos elementos que sempre quis ter e que tenho sinteticamente, vou ter organicamente. E, honestamente, I’m having a blast with it.
Já falámos de dança e gostaríamos de falar em termos criativos. Quem te segue no Instagram vai vendo muitos dos focos criativos que vais tendo, é isso que te faz ter aquela facilidade de criar sons novos e diferentes de quando em vez?
O exercício de tentar aglutinar muitas influências acabou por quase condensar para uma coisa que se pode chamar de “o meu estilo”, se é que isso existe. Mas o facto de eu não conseguir encaixar em qualquer tipologia de música, fazer um álbum só de música calma ou um álbum só de dança, o facto de não ter essa degustação policromática das coisas, acaba por ter feito com que eu criasse uma coisa que as pessoas podem considerar ou eventualmente chamar de “único”.
Estávamos a falar da Eurovisão há pouco. E sendo que a Eurovisão trouxe muita coisa positiva, também te trouxe para o público mais geral e também trouxe muita coisa negativa, para uma crítica que não estava talvez preparada para o teu estilo. Como lidaste na altura com isso?
Para mim, efectivamente, e era como vocês estavam a dizer, eu andava a tocar há bastante tempo. E a partir do momento que o “Adoro Bolos” saiu, tive de me pré-preparar para “OK, isto vai ser uma cena”, a partir do momento que começaram a sair artigos da Rimas & Batidas, eu pensei brace yourself. A partir daí, desliguei um bocadinho, comecei a ir menos ao Facebook, coincidiu mais ou menos com o deixar de trabalhar na loja. Ou seja, essa preparação veio bem antes do Festival. Na altura do Festival, já estava bastante ambientado com a possibilidade de existirem essas coisas, então já nem lia, já não via nada, nem comments de YouTube ou whatever.
Se alguém me dissesse em 2017 “olha, em 2019 vais cantar músicas do Variações nas Festas de Lisboa, com uma orquestra bué grande” e eu ia-me rir e fechava a porta na cara da pessoa, basicamente. Mas aconteceu. E também é um momento de legitimação.
Mas tinhas alguma repercussão. A questão é que foi agressivo.
Foi agressivo, mas lá está, eu não tinha essa percepção. Eu não sou muito rancoroso, ou seja, eventualmente hoje em dia até posso estar a olhar para trás com um bocadinho mais de apaziguamento do que o que senti naquela altura, mas eu sou muito de medir as coisas por andar na rua. Na rua era assim “Ah, o Conan”, mas não era uma coisa de raiva, sabes. Também vindo de um lugar, como eu vi, em que sofri agressões mais graves, essa parte cibernética da crítica é uma coisa que para mim é um bocado…
As pessoas escondem-se um bocado atrás de um computador…
Exactamente! Um bocadinho aqueles keyboard warriors.
Que às vezes nem acreditam muito naquilo que dizem.
Exactamente! Só mesmo porque têm de ter aquele output de “eu tenho mesmo de dizer alguma coisa, porque o único conteúdo que eu posso fabricar é mesmo um comment ou um post”, e eu acho que reside um bocadinho aí. As pessoas vêem os criadores a criar tanta coisa e há vídeos, fotos e coisas, que depois há pessoas, que eu vejo, que estão a ter aquele instinto de “eu também tenho de mostrar alguma coisa”. Mas não conseguem perceber que nem toda a gente é criativa, as pessoas não têm de ter todas uma criação, e também não têm de ter todas uma opinião. Podem ter, e a democratização da opinião é uma coisa super legítima, mas as pessoas não são forçadas a ter uma opinião. E eu acho que é um fenómeno que se está a gerar na net que é “Ah, eu tenho de dizer alguma coisa, porque se eu não achar nada sobre isto, não vou ser ninguém, não vou ser woke, e não vou ser…”.
Até se opina sobre algo em que não acreditam, mas só pelo facto de quererem ter uma opinião e aparecer, focam-se um pouco numa opinião que nem sequer é a delas.
Exacto. E é por isso que, mal ou bem, acabei por não sentir tanto isso. Porque não dou, e tento não dar, essa relevância.
Foste, sem dúvida, o concorrente à Eurovisão mais escrutinado de sempre. Depois do Salvador, criou-se aquela ilusão que íamos estar sempre lá em cima, quando a História nos diz que estivemos sempre cá em baixo. Alguma vez pensaste em desistir?
Não. O único fenómeno que essas comparações e as cenas do Salvador foi… não necessariamente em relação ao Salvador, mas que recaem muito na dissertação sobre “música verdadeira” ou o posicionamento de “aquilo nem sequer é música”, ou “aquilo vale só pelo espectáculo”. Ouvi muito a frase “Ah, sim, é bom porque é uma coisa do espectáculo”, com o underline de “sim, mas eu faço música verdadeira (riso sarcástico)”. Nessa altura, fiquei um bocadinho com aquela de às vezes haver um elogio de performance de pôr para baixo no sentido de “o show é espectacular, a música, não sei bem se aquilo é música”. Nessa altura, confrontar-me com isso foi tipo “bitch, I’m a composer”. Então tive de engolir um bocadinho essa parte e tentar relativizar o que as pessoas acham sobre o que é música verdadeira e o que não é música verdadeira. Mas fora isso, tranquilo.
Mudarias alguma coisa no teu trajecto até aqui? Para o positivo e para o negativo.
Não sei, acho que… ultimamente tenho pensado muito na componente visual. Eu acredito muito em não mudar nada do que o que está feito. Já vi demasiados filmes em que as pessoas voltam atrás e mudam uma coisa e depois o futuro não ocorre e, nessa instância, não mudaria nada. E começo a dar e a ver a importância da parte visual e dos vídeos, pensando que eu vou para o Coliseu sem ter um vídeo oficial, na forma como se faz música e se criam as coisas hoje em dia, é estranho. Ou seja, eu analisar essa própria parte faz-me pensar sobre se teria chegado a mais coisas ou a mais sítios mais rapidamente se tivesse uma componente de vídeo meu, com uma criação minha? Ou se tivesse montes de vídeos no YouTube, ou se interagisse mais… Aquela coisa de “Olá, hoje estamos aqui…” (a imitar um vídeo para as stories) que é uma coisa que eu nunca faço, e que, sei lá, posso estar a aprender agora. Tenho mais a tendência de escrever, porque tenho mais essa forma de comunicar, um pouco por vergonha – nem é bem vergonha, mas não gosto de me rever a falar, então acabo por não ter esse impulso e toda essa parte audiovisual acaba por ser um pouco renegada. Como nunca tive esse recurso em todo o meu percurso de composição, acaba por ser uma coisa que ainda estou a explorar e penso se tivesse explorado há mais tempo, se conseguiria chegar mais rapidamente a algum sítio ou não. É mais por essa questão.
Vais agora para a China. Já estiveste em Berlim, na Noruega, etc. Quando vais a esses países, tens obras também em inglês, apostas mais em inglês ou em português?
A minha setlist, principalmente quando vou lá fora, acaba por se compor pelo “Adoro Bolos” e também por músicas do “Música, Normal”, porque vejo que resulta bem, quebra um pouco a barreira da língua. Mas também gosto de ver as pessoas a reagirem ao facto de não entenderem as coisas em português mas, ainda assim, absorverem o mood da música. Ou seja, eu sei que naquele momento as pessoas estão a absorver mesmo a parte musical. Isso também me faz estar mais on my tippy toes porque convém dar uma performance musical mesmo boa porque não estou a fazer uso da palavra. A palavra não interessa, é uma língua que aquelas pessoas não estão a ouvir, o que vai reverberar com elas é a musicalidade, a voz, etc. E nesse aspecto, costumo levar também coisas em inglês.
Para quando um sucessor do “Adoro Bolos”?
Tenho 50 mil rascunhos, mas para compor mesmo uma coisa com pés e cabeça tenho de me fechar em casa, não posso estar a andar de um lado para o outro. Então tenho de ter cabelo todo nojento, todo oleoso, mãos no PC, álcool para ir limpando e por aí… senão, nada feito. Tem sido muita coisa, as viagens e etc. quebra-me muito o flow. E eu gosto de fazer as coisas do princípio ao fim, de começar e acabar. Imagina que eu tenho montes de instrumentais e montes de ideias para letras, mas eu gosto de me fechar durante duas horas e, ao ouvir o beat em loop, estou a escrever. E não considero uma música feita até acabá-la, se tiver de a deixar, tenho de a gravar e tenho de tratar no próprio dia. Se for uma música para editar, tem de ser assim. Não consigo ter as ideias muito “voadas” porque depois acaba por acontecer um fenómeno que é “já não é tão boa, vou fazer outra”. Tenho sempre esse recurso de “ok, deixa, vamos para outra”.
E o método vai ser mais ou menos o mesmo com que fizeste o “Adoro Bolos” ou vais para um estúdio?
Não sei, acho que a primeira metodologia, ou seja a pré-preparação e a composição vão ser, eventualmente, da mesma forma. Depois a forma como vão ser feitos os acabamentos finais… é claro que vou para um estúdio. Eu já gravei a “Telemóveis” num estúdio, é uma coisa que não tem um cu a ver. Além de me dar muito menos trabalho gravar para uma coisa que posso logo editar, em vez de estar a gravar no Dictafone, mandar para o meu mail, transformar em flac e pôr no projecto (risos), é claro que já não vai acontecer nada disso.
Mas o método era assim?
O método era assim: gravava para o Dictafone, enviava para o meu próprio e-mail, sacava no computador, aquilo vinha em m4a, acho eu, que é o formato da cena da Dictafone, transformava em flac e importava para o projecto – é ridículo! – para depois esquartejava e não sei quê (risos). Dá-me muito mais trabalho e é óbvio que esse tipo de acabamentos técnicos já não vou fazer igual.
Quando crias partes de uma batida ou da letra?
Posso pegar por vários pontos. Tenho sempre muitas batidas, porque é o que faço todos os dias e o que estou sempre a fazer. É a parte que eu acabo por explorar e gastar mais tempo. Mas paralelamente, quando faço uma batida, nunca é logo desenhada a letra que vou pôr lá, então tenho os conceitos todos do que eu quero dizer e vejo o que encaixa melhor. Desenvolvo depois a batida de forma a que as duas coisas se encontrem já no produto final.
No meio destes tumultos todos, mudaste algumas influências, ou conheceste pessoas que te fizeram ver outras coisas?
Conheci muitas pessoas novas, mas… as minhas influências mantiveram-se sempre um bocadinho iguais… talvez o que mais mudou possa ter sido pelo meu contacto com a Ana Moura. Acho que nunca falei nisto mas o contacto com a Ana Moura, sendo ela uma pessoa que conhece toda a gente, acabou por legitimar um pouco mais a parte de “músicos reais” do meu trabalho. Imagina, encontro uma validação junto dessas pessoas que eu não estava à espera de conseguir. Não estava à espera de ir jantar e acabar na Tasca do Xico a cantar com a Mariza e a Ana Moura. Acho sempre, na minha cabeça, que não tenho legitimidade, nem vocal ou whatever, para estar a cantar com a Mariza e com a Ana Moura numa tasca muito típica de Lisboa. Na minha cabeça, isto nunca teria ocorrido, mas quando ocorreu… pensei “Uau”. Eu tento construir formas de relaxamento, para não ter nervos de nada, mas nesse momento pensei “não vou cantar, eu não sei cantar”. Elas têm muitas músicas de reportório, sabem muitas músicas que não são delas, eu quase não sei músicas que não são minhas, há poucas músicas que consigo cantar depois de alguém puxar a guitarra. Como “Lisboa, não sejas francesa”? Não sei. Ainda por cima, elas estavam a cantar a “Saudade”, da Cesária Évora, e eu engasguei-me. E elas “anda cá, anda cantar”… e eu fiquei “here goes nothing” . Mas depois foi OK, foi “eu posso estar aqui”. E o facto de me confrontar com isso, isto indo ao encontro da tua pergunta de pessoas novas… é um bocadinho aquela síndrome de Pinóquio, “maybe I am a real boy”… sou um miúdo, não sou um boneco de madeira.
Uma certa validação…
Exactamente! Não é que tenha baixa auto-estima, mas é só nesse encontro com músicos que sabem de música, que conseguem pegar numa guitarra e não sei quê.
Também foste ao evento dedicado ao António Variações, nas Festas de Lisboa…
Exacto. Essa foi outra! Estar a cantar à frente duma orquestra, da Orquestra de Lisboa, em frente a não sei quantas mil pessoas, e de repente estou a cantar músicas do António Variações, mas sou eu. Não o estou a imitar, estou a cantar e sai-me muito natural porque estive a estudar as letras e I can do this. Com uma orquestra! Se alguém me dissesse em 2017 “olha, em 2019 vais cantar músicas do Variações nas Festas de Lisboa, com uma orquestra bué grande” e eu ia-me rir e fechava a porta na cara da pessoa, basicamente. Mas aconteceu. E também é um momento de legitimação.
E estiveste super bem.
E ainda não vi esse espectáculo porque tenho vergonha.
Mas acho que não devias ter, estiveste muito bem.
Obrigado!
Entrevista realizada com o apoio de João Estróia Vieira.