‘Infinite Worlds’, de Vagabon, é um porto seguro que permite perdermo-nos na incerteza
Laetitia Tamko – Vagabon, artisticamente – é um achado. Nascida em Camarões, foi na adolescência que se deslocou para Nova Iorque, onde conseguiu ter a primeira noção da ambivalência estilística da música: tendo crescido por entre a música tradicional camaronesa e os hits de rádio, foi numa confusa Nova Iorque que encontrou as possibilidades de seguir um futuro musical sustentável que não implicasse cativar as massas, mas sim uma comunidade fiel agradada por riffs de rock alternativo e a melancolia das palavras características de folk midwestern.
Em 2014, lançou o seu primeiro EP, Persian Gardens, no Bandcamp, e com isso conseguiu começar a tocar em pequenas salas em Nova Iorque, a par de artistas emergentes na altura, como Told Slant. No fim de Fevereiro, saiu então Infinite Worlds.
Antes de mais, Infinite Worlds é um porto seguro; um álbum que permite perdermo-nos no meio da incerteza e da nossa própria pequenez, e que nos faz sentir confortáveis nisso mesmo. Tamko não tem pretensiosismos: conta-nos a sua experiência de passagem da realidade pequena de Camarões para um novo mundo cheio de contingências, começando o álbum com “The Embers“, em que ouvimos “I feel so small / my feet can barely touch the floor / on the bus where everybody is tall” e “Fear & Force“, que, iniciada de cordas básicas dedilhadas, transmite a emoção do reencontro interpessoal com “I’ve been hiding in the smaller space / I’m dying to go / this is not my home”.
A sua voz é doce e inocente, mas não deixa de ser segura, o que é importante na consolidação das temáticas que aborda. As músicas mais taciturnas e emotivas fazem-se acompanhar só de guitarra acústica. Numa delas, “Alive and A Well”, Tamko tenta pôr-se nos sapatos de outra pessoa, afirmando, contudo, que não se reconhece. Esta premissa tem importância nomeadamente se considerarmos a escassez de mulheres afro-americanas no panorama do indie rock atual; é desta forma, utilizando as suas memórias, que Tamko procura contribuir para a normalização disso mesmo, dar uma palavra de apoio e incentivo àquelas que não se integram nas culturas e estereótipos que vêm associados à sua origem.
Mas o álbum não tem só temas tranquilos. Os riffs de guitarra elétrica e a bateria criam o ambiente em “Minneapolis” e “100 Years“, que revelam as capacidades multi-instrumentais da cantautora, invocando uma fusão estilística entre aquilo que já estamos habituados a ouvir de Frankie Cosmos ou Girlpool, com a robustez estética de Waxahatchee; ainda, na música mais longa do álbum, “Mal à L’aise“, temos acesso a mais uma dimensão de Tamko pela articulação do sintetizador e da batida computorizada com os overdubs vocais, que, embora tornem o tema mais deslocado do álbum, permitem acessar ao lado mais eclético da artista
Em entrevista à Pitchfork, Tamko referiu que o público que pretende atingir com a sua arte são as raparigas incomuns, que não são celebradas, e as mulheres de cor. E é precisamente através deste escape à tradição que o consegue fazer, produzindo um álbum que, num mundo segregado e de convenções, calorosamente acolhe os que mais precisam e celebra aqueles que são esquecidos.