Um breve resumo de André Ventura
Em outubro, André Ventura entrou no Parlamento sem saber muito bem o que esperar. Inspirado pelo fenómeno populista e pela extrema-direita em crescimento, o CHEGA pareceu-lhe ser a forma mais eficaz de alcançar o poder e ganhar visibilidade, superior àquela que conseguira através do PSD e, as últimas eleições, confirmaram que a sua estratégia estava correta. Apesar de ter vindo, ao longo do tempo, a construir caminho para tal, quer através das suas declarações sobre a comunidade cigana, quer através do comentário desportivo regular na CMTV, esta parece ter sido a sua única certeza. Para lá dela, André Ventura tem andado a “apalpar terreno” e, em menos de quatro meses, os portugueses deram-lhe outra certeza, que cometa os erros que cometer, a sua legitimidade não irá ser derrubada.
Em abril do ano passado, a fim de concluir a criação do partido CHEGA, surgia a notícia de que tinham sido entregues assinaturas irregulares, onde constavam menores e falecidos. Logo no mês seguinte, a propósito das eleições europeias, Ventura faltou ao debate organizado pela RTP, devido ao comentário desportivo realizado na CMTV. Ainda mal terminara o seu primeiro mês no Parlamento e já se tinha descoberto que o deputado populista e conhecido pela sua aversão à comunidade cigana, tinha criticado, na sua tese de doutoramento, em 2013, a estigmatização das minorias e a expansão dos poderes policiais. Pouco depois, Daniel Oliveira fazia o trabalho que poucos dos seus apoiantes fizeram em relação à leitura do programa eleitoral do CHEGA, e falava das suas intenções de privatizar o Sistema Nacional de Saúde, acabar com o Ministério da Educação ou reduzir os impostos para os mais ricos; no seguimento da denúncia e, após esta ter sido confirmada pelo polígrafo da SIC, o programa político foi retirado do site do partido. Mais recentemente, a polémica girou em torno de Sousa Lara, porta-voz do CHEGA, que abandonou o partido, no início deste ano, por recusar renunciar à sua subvenção vitalícia.
Defender algo em que não se acredita como estratégia para ser eleito, apoiar membros de um partido que vivem contra os princípios do mesmo, faltar a debates políticos ou falsificar assinaturas, por isso só, já são falhas que desrespeitam os princípios de uma sociedade democrática. No entanto, nada têm a ver com populismo ou, colocando-os de uma forma geral, como coloquei, com a extrema-direita; pretendo, com isto, dizer que qualquer outro partido, de esquerda ou de direita, o podia ter feito. O problema agrava-se devido ao facto de, para lá da sua falta de coerência e seriedade, Ventura fazer uso do discurso populista, por um lado, e, por outro, ter decido aliá-lo à extrema-direita.
A retórica populista de Ventura, juntamente com a mudança do seu programa político, demonstra, como referi, que este ainda está a testar qual a melhor estratégia ao sucesso. Se ouvirmos a entrevista dada à Antena 1, pouco depois das eleições de outubro, e a compararmos com uma das mais recentes, dada ao polígrafo da SIC, em dezembro, o acentuar do uso de elementos populistas é notório; se, na primeira, Ventura referia que alguns deputados estão no parlamento “sem fazer nada”, na última já afirmava mesmo que o parlamento “voltou as costas às pessoas”. Ventura irá até onde nós o deixarmos ir e, enquanto as sondagens anunciarem que a intenção de voto no CHEGA continua a subir, só podemos esperar um crescimento do populismo.
Por si só, o fenómeno do populismo, definido como uma ideologia que separa a sociedade em dois campos antagónicos – o “povo” e a “elite” –, não pode ser associado à extrema-direita, visto que a natureza do próprio conceito lhe permite ser usado quer à esquerda, como na América Latina, quer à direita, como, mais recentemente, na Europa. No entanto, depois de escrever a sua tese e atento às novas tendências, Ventura percebeu que seria a sua conotação à extrema-direita que lhe traria votos. Os traços mais evidentes, neste caso, são o racismo e a xenofobia, presentes quer nos constantes ataques à comunidade cigana, quer na sua resposta, esta semana, a Joacine Moreira, propondo que esta “seja devolvida ao seu país de origem”. De novo, há um acentuar deste tipo de discurso; se, na entrevista à Antena 1, Ventura referia que a deputada tinha tanto direito como ele em estar no Parlamento, esta semana propôs-lhe que saísse do país.
Onde o crescimento destes fenómenos nos irá levar, não há certezas. O caso da Hungria, onde o governo, entre outras medidas, impôs controlo sobre os meios de comunicação, pode dar-nos uma ideia. E, se achamos que é ir longe de mais lembrar em que é que o autoritarismo e o anti-semitismo culminaram, no início do século passado, basta notar que, esta semana, a par das comemorações dos 75 anos da libertação de Auschwitz, um membro do CHEGA, durante o comício, fez a saudação nazi ao som do hino nacional.
Há, por entre as incertezas, certeza de que o partido irá continuar a aumentar a sua base de apoiantes, prontos a desculpar qualquer falha; apoiantes que, à mínima situação, incendeiam as redes sociais em sua defesa e que têm, de certeza, convicções políticas maiores do que as do seu líder. Há, também, certeza de que os meios de comunicação não estão a fazer o suficiente pela democracia. A principal de todas, no entanto, é a de que a política não se faz recuando na história.