Eric Clapton, o melhor dos blues numa ‘Slowhand’
Trata-se de um dos maiores guitarristas de todos os tempos. Não o é pela sua altura mas sim pela dimensão da sua carreira. Dando asas aos sons da guitarra há 55 anos, e após figurar no panorama de “sexo, drogas e rock n’ roll” como membro de várias bandas de blues, esta tendência que prevaleceu durante o final da década de 60 e o início da de 70, foi por volta do término desse período que se afirmou a solo. Desde então, o britânico consolidou cada vez mais o seu legado como um dos artistas proeminentes da senda dos blues e do rock n’ roll, dando inspiração a muitos e momentos de deleite a imensos outros. “Slowhand”, como curiosamente alcunhado, figura na história da música e permanece nos primeiros lugares da estima dos melómanos. Agitando, inovando e suavizando, eis Clapton a figurar no esplendor das melodias e dos ritmos como um dos suprassumos de guitarra na mão.
Eric Patrick Clapton nasceu a 30 de março de 1945, filho do general canadiano Edward Walter Fryer e de Patricia Molly Clapton, esta então de somente 16 anos, na província inglesa de Surrey. No entanto, a sua infância e adolescência seriam orientadas pela sua avó materna e pelo padrasto da sua mãe, com os pais, já separados, a emigrarem. O inglês recebeu a sua primeira guitarra aos 13 anos mas só começou a usá-la de forma consistente dois anos depois, experimentando sons associados aos blues e gravando os que ia produzindo até alcançar o produto que desejava. Em 1961, inscreveu-se na Kingston College of Art mas acabou por sair tendo em conta a crescente paixão pela música e o desinteresse pelas restantes modalidades artísticas. Desta feita, Eric embarcou na primeira jangada da sua carreira musical, atracando-a em bares com o seu parceiro David Brock. Aos 17 anos, juntou-se à sua primeira banda, denominada The Roosters, mais voltada para o R&B.
No entanto, a sua carreira adquiriu um novo fôlego ao, em 1963, se associar aos The Yardbirds e, em dois anos, ter a oportunidade de mostrar a síntese da sua originalidade com elementos de figuras consolidadas dos blues, como B.B. King, Buddy Guy ou Sonny Boy Williamson II, com quem fizeram uma tournée. Foi nesta mescla que o seu estilo se começou a desenvolver e a ganhar sustento, tornando-se celeremente num dos guitarristas mais aclamados de então. Foi neste período de tempo que a alcunha “Slowhand” surgiu. Clapton partia com frequência cordas à sua guitarra durante concertos e, enquanto as substituía em palco, o processo era acompanhado por uma lenta salva de palmas. Um jogo de palavras feito por um amigo resultou na mesma. O primeiro hit da banda surgiu em março de 1965, designado “For Your Love”. No entanto, o pendor mais pop pelo qual a mesma decidiu enveredar motivou a saída do guitarrista inglês. No mês seguinte, já tinha arranjado novo grupo. John Mayall and the Bluesbreakers era o nome e, como o próprio nome indica, o estilo recaía essencialmente na intensidade instrumental e na sua aproximação às raízes dos blues. O músico granjeou aqui um estatuto de elevado prestígio, acabando reconhecido como o melhor da especialidade em terras de Sua Majestade. Todo este trabalho acabou condensado num álbum (“Blues Breakers – John Mayall – with Eric Clapton“).
No ano seguinte, chega a janela pela qual se expandiria até ao mundo. Ginger Baker, baterista com influências de jazz, convida-o para fazer parte dos Cream consigo e com o vocalista e baixista Jack Bruce. Neste período, o inglês começa a evoluir no que toca à composição musical e até no que toca a cantar. Também a emergência de Jimi Hendrix e do seu estilo psicadélico e associado ao acid rock inspirou e estimulou os futuros trabalhos e recortes musicais do britânico. Com os três membros da banda a possuir um prestígio considerável no panorama nacional, não tardou até que atuassem fora de portas. Foi em 1967 a primeira ocasião em que viajaram para os Estados Unidos da América e em que gravaram alguns hits. Consolidar-se-ia, neste ano, um trio complementar e que arrebataria milhões de vendas num imenso sucesso comercial. Três dos seus maiores hits foram “Sunshine of Your Love”, “White Room” e “Crossroads”, temas que viriam a ter uma proeminente repercussão histórica nos sucessivos anos. No entanto, era Clapton que, dos três membros, era mais louvado, sendo até considerado como uma prematura lenda na forma como conferia vida e sentimento a um elemento inerte e manipulável mas que tanto prazer produzia. Estas inconsistências no que toca à adulação por parte dos fãs, aliadas à mistura de álcool e drogas, despoletaram conflitos entre os membros do grupo e acabaram por forçar a separação do mesmo. Em 1968, Eric começa a atuar com um dos seus melhores amigos e Beatle George Harrison, sendo ele o mesmo a produzir o solo de “While My Guitar Gently Weeps” do álbum da banda de Harrison “White Room” (1968). Esta proximidade do guitarrista com o mítico grupo dos Beatles levou John Lennon a considerar, numa eventual ausência de George, a inserção de Eric Clapton. Tudo isto não passou de uma conjetura que viria a esfumar-se logo após este optar por seguir a solo.
Antes dessa decisão se consumar, o guitarrista inglês foi membro da banda Blind Faith (1969), onde atuou com o seu antigo parceiro dos Cream Ginger Baker e com o vocalista e teclista Steve Winwood, dos Traffic. Para além disso, colaborou com a Plastic Ono Band, em que, com os ícones e amigos John Lennon e George Harrison, atuou tendo em vista angariar fundos para a UNESCO. Também a intenção de evitar o rótulo de estrela o levou a aglomerar uma nova banda com membros então desconhecidos (Jim Gordon como baterista, Bobby Whitlock como vocalista e teclista e Carl Radle como baixista). O objetivo era também concentrar a sua carreira somente na produção musical e não tanto na exposição mediática. O nome, inicialmente Eric Clapton and Friends, foi formalizado como Derek and the Dominos, após a fusão de uma alcunha de Clapton de então (Del) mais o seu primeiro nome (Eric), ficando Derek. A banda não fugiu do estilo de blues pelo qual o inglês se afirmou e foi indelevelmente marcada pelo hit “Layla”, que contou com a colaboração do também guitarrista Duane Allman, dos Allman Brothers. Esta foi baseada no conto persa de Nizami Ganjavi “The Story of Layla and Majnun”, este que segue um pouco a linha shakespeariana de Romeu e Julieta. O grupo acabou por se diluir em 1971, após os egos dos membros se terem reerguido e por condicionarem a dinâmica da banda. Estas divergências, aliadas à morte de Hendrix e de Allman mais o seu interesse amoroso pela esposa do seu amigo George Harrison, detiveram o percurso de Clapton, que se isolou e se tornou dependente de heroína. No entanto, três anos depois, regressou após ter deixado de lado a mesma, apesar de ainda beber com regularidade até 1982 (quando foi internado numa clínica de reabilitação), e após ter conquistado a sua amada Pattie Boyd, casando-se com esta em 1979. Foram vários os álbuns lançados desde então e as colaborações empreendidas, para além de ter dado largas às suas cordas vocais. Diversos hits surgiram, estando os principais elencados nesta lista:
– “I Shot The Sheriff” (1974), cover de Bob Marley and the Wailers;
– “Cocaine” (1976), escrita pelo seu parceiro J.J. Cale, assim como After Midnight;
– “Wonderful Tonight” (1977)
– “Tears in Heaven” (1991), reportando à morte precoce do seu filho Conor com somente 4 anos de idade;
– “Riding with the King” (2000), com B.B. King, cover de John Hiatt.
Tantas foram as inspirações como os prémios conquistados por Eric Clapton. Albert King, B.B. King, Muddy Waters, Buddy Guy foram o mote e os pilares do desenvolvimento da sua forma de dar e de sentir música. O reflexo disso materializou em 18 Grammy Awards e no reconhecimento por parte da Ordem do Império Britânico. Constando por três ocasiões no Rock n’ Roll Hall of Fame, sendo o único a ter conseguido a façanha (a solo e com os grupos Cream e Yardbirds), foi também assinalado pela prestigiada revista Rolling Stone como o segundo melhor guitarrista de todos os tempos, soçobrando para a sua referência contemporânea Jimi Hendrix. Com uma carreira ilustre e profícua, Eric Clapton assume-se de forma natural como constituinte do Mount Rushmore dos blues, ao lado dos seus ídolos supracitados. O seu estilo incentivou inúmeras covers daqueles que lhe seguem os trilhos, tais como John Mayer, Slash, Eddie Van Halen, Stevie Ray Vaughan, Gary Clark Jr., entre um número bastante de outros. Por nos ser tão íntimo e próximo, quase não temos a oportunidade de constatar que partilhamos o espaço, o tempo e os sentidos com uma figura tão preponderante do que é nosso usufruto. Clapton, no seu estilo subtilmente voraz, permanece numa senda em que faz da guitarra a extensão do seu coração. A robustez dos seus sons visita e explora o nosso coração, para além de mimar os ouvidos e de exercitar os adjetivos qualificadores ajuizados pelo cérebro. Profundidade e intensidade é tudo aquilo que carateriza Eric Clapton como um daqueles que subsiste até à eternidade, em especial quando o céu se tinge de “blue”.