A receita de Freddie Gibbs e The Alchemist atinge a perfeição em “Alfredo”
Anunciado de surpresa dois dias antes do lançamento oficial, Alfredo alia pela segunda vez num álbum completo o rapper Freddie Gibbs ao produtor The Alchemist. Aparecendo no mundo do hip-hop nos anos 2000, foi a partir de 2010 que Gibbs se estabeleceu como um dos grandes nomes do rap norte americano. O inegável talento do MC de Gary, Indiana atingiu o seu ápice nas duas colaborações com Madlib – Piñata (2014) e Bandana (2019) – álbuns incontornáveis na história mais recente deste género musical. Já The Alchemist tem vindo a produzir beats para uma panóplia de artistas há mais de 20 anos, sejam eles nomes mais sonantes da indústria como Nas, Fat Joe e Snoop Dogg, ou talentos do underground como Dilated Peoples, Roc Marciano e Sean Price. Conhecido também como DJ oficial de Eminem, Daniel Maman nunca ficou preso na sonoridade característica dos anos 90 e da golden age do hip-hop, sabendo adaptar-se à evolução musical, um facto que contribuiu para o seu atual estatuto lendário dentro do género. Apesar do ritmo de trabalho a que sempre nos habituou, 2020 tem sido um ano particularmente prolífico para o produtor, com o lançamento dos projetos The Prince of Tea In China e LULU, colaborações com Boldy James e Conway The Machine, respetivamente, para além de outras participações isoladas.
Alfredo conta com apenas 10 músicas e 35 minutos de duração, livre de qualquer gordura e apresentando uma consistência ímpar. As participações assentam no projeto que nem uma luva, escolhidas a dedo para complementar Freddie e a produção de The Alchemist, seja Rick Ross (“Scottie Beam”) perfeitamente à vontade num beat que parece pertencer a um novo capítulo da série Maybach Music, ou Benny The Butcher (“Frank Lucas”) numa música que poderia ser retirada de qualquer projeto dos Griselda. Tyler, the Creator (“Something to Rap About”) e Conway the Machine (“Babies & Fools”) também contribuem com o seu toque especial para acrescentar uma camada extra ao prato cozinhado pelos anfitriões. Os instrumentais de The Alchemist vão sendo intercalados entre os mais hipnóticos e progressivos (“God Is Perfect”, “Baby $hit”, “All Glass”) e os mais melódicos e minimalistas, onde o sample trabalha de forma quase isolada (“1985”, “Look At Me”, “Skinny Suge”). A variabilidade da produção é acompanhada habilmente por Freddie Gibbs, que aborda os versos adequando a sua entoação, velocidade, ritmo e dicção.
O que deslumbra em Alfredo é o nível em que rapper e produtor se exibem, e a forma como várias músicas do álbum representam um pico na já de si impressionante carreira de ambos. É impossível chegar ao fim de “Frank Lucas” ou “Skinny Suge” não querendo de imediato repetir a experiência. Freddie Gibbs vai da vanglorização mais típica e ligada ao seu passado, “Pray my soul to keep, dear Lord, lay me down / The SWAT team might machine gun or grenade me down / And if they do, tell my people just hold my babies down / Nigga, we need to go back to pagers like it’s the ’80s now”, a um tom mais introspetivo e confessional: “Man, my uncle died off a overdose / And the fucked up part about that is I know I supplied the nigga that sold it”, passando também por temas como o racismo ou a violência policial. Tudo isto revelando uma invulgar capacidade na utilização métrica e silábica de cada rima.
Alfredo alcança o que raras vezes aconteceu na história do Hip Hop, ficando perto dos clássicos de Eric B. & Rakim, Gang Starr, Pete Rock & C.L. Smooth ou Madvillain, álbuns onde rapper e produtor trabalham no topo das suas capacidades, revelando uma inegável química que eleva exponencialmente as suas qualidades individuais. Estamos perante a primeira obra-prima de rap do ano 2020, e destronar Alfredo do number one spot será uma tarefa árdua.