Na estreia em Portugal, o fenómeno Baco Exu do Blues não teve recinto à altura no Porto

por Lucas Brandão,    25 Abril, 2023
Na estreia em Portugal, o fenómeno Baco Exu do Blues não teve recinto à altura no Porto
Fotografia de Luís Lima (@limapump)
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Baco Exu do Blues. Um nome que converge uma divindade grega — o deus do vinho —, um orixá — o mensageiro entre a humanidade e os deuses e guardião de ambos — e os blues, um género musical com origens nas sofridas memórias dos escravos dos Estados Unidos e que, para o artista, foi o primeiro a criar “pretos ricos”. No entanto, é ele brasileiro de origem e de vida, com um percurso em muito curioso e que, na sua estreia em Portugal (depois de ter estado por cidades como, entre outras, Paris, Londres, Amesterdão e Berlim), obrigou a que se abrisse uma data extra na cidade do Porto e na de Lisboa. Uma ou outra vez demos de ouvidos com ele no Spotify e no Youtube, em momentos de descoberta de rap brasileiro, mas daí a mobilizar tanta gente que obrigasse o Hard Club (e o LAV – Lisboa ao Vivo) a ter uma segunda data para o receber suscitou-nos curiosidade.

Foi assim que partimos à descoberta de Diogo Álvaro Ferreira Moncorvo, nascido a 11 de janeiro de 1996 em Salvador, na Bahia. Descobrimos que lançou quatro discos: “Esú” (2017), “Bluesman” (2018, aonde já tínhamos petiscado), “Não Tem Bacanal na Quarentena” (2020) e o mais recente e caloroso “QVVJFA” [sigla de “Quantas Vezes Você Já Foi Amado?”], onde cantou com a malograda Gal Costa e com a irreverente Gloria Groove. Descobrimos, de igual modo, que traz videoclips que correspondem à sensualidade e ao urbanismo carnal e passional, mas também introspetivo e psicológico, das suas letras, que também dão as devidas achegas à sociedade brasileira e ao (seu) racismo. Ele que havia estudado como bolsista em escolas particulares onde era o único miúdo de etnia negra e que, nesta altura, já se havia apaixonado pelo que de melhor havia à disposição na literatura brasileira e europeia, desde Jorge Amado a Fiodor Dostoiévski.

Fotografia de Luís Lima (@limapump)

Descobrimos que, desta forma, honra os seus predecessores, como os Racionais MC ou Jay-Z. Descobrimos, no entanto, que é muito mais do que um rapper: é, antes, mais um dos nomes fortes deste pulsar imenso e diverso da música popular brasileira, que honra os antigos, como Gal Costa, e outros contemporâneos de Baco, como Tim Bernardes. E foi este mesmo cardápio, em especial sustentado neste mais recente disco, que trouxe nesta sua primeira deslocação a Portugal. Um Portugal cada vez mais caraterizado pela sua comunidade brasileira e que justifica grande parte desta mobilização aos palcos nos quais Baco se comprometeu a aparecer.

Foram predicados suficientes para nos puxar ao Hard Club logo na primeira das duas datas, para ver se se confirmavam presencialmente, frente a uma multidão que, há meio ano atrás, fez furor quando assistiu a Emicida e mesmo a Chico César no festival MIMO. Fomos rececionados pela riqueza rítmica brasileira que passou pelas mãos do DJ JLZ, de seu nome João Luiz, um jovem de Brasília com muito pagode, funk e trap nas malhas eletrónicas que preencheram o aquecimento deste concerto, à imagem dos demais desta tournée europeia.

O nome não nos seria apresentado, tanto que foi bem discreta a sua presença na lateral do recinto, nem sequer tendo lugar à sua apresentação. Aliás, seria a primeira das fragilidades deste concerto, que não apresentou quem quer que fosse fora a inequívoca presença do seu protagonista, Baco Exu do Blues. Não obstante, o arranque certo para quem é mais estranho a estas propostas musicais, colocando o público num certo estado de espírito mais consonante com o trépido e vibratório Brasil, repleto de alto astral e de irrequietude.

Fotografia de Luís Lima (@limapump)

Irrequietude é sinónimo das letras de Baco Exu do Blues e foi ele que tantos quiseram ver, distribuindo-se por quatro datas em solo português. Chegado uns quinze minutos após as 21h30 marcadas, a ovação seria realmente estrondosa e quase imensurável aquela que acolheu o rapper brasileiro nesta noite primaveril do Porto, uma sexta-feira que prometia casa muito bem composta e assim foi. A comunidade brasileira voltou a estar em peso, enchendo maior parte da casa, e mostrou estar muito sintonizada com a música de Baco e as subjacentes mensagens.

Baco chegou acompanhado por três fantásticas cantoras, que substituíram os seus convidados em estúdio: a saber, a jazzística nordestina Alma Thomas — com o mesmo nome da célebre pintora estadounidense —, Mirella Costa, natural do Recife e, também ela, com formação nos Estados Unidos, e, por fim, Aísha, a paulista mais caliente na voz e na apresentação. Elas foram três das protagonistas de um concerto que contou com um protagonista realmente empolgado e entusiasmado em carregar o público com as faixas que tantos e tantas sabiam de cor.

Foram os “Girassóis de Van Gogh”, “Te Amo Disgraça”, “Me Desculpa Jay Z”, “Bluesman” ou “Queima Minha Pele” que levantaram o exultante público do Porto. Isto, claro está, para além da apresentação das faixas do seu mais recente disco, onde se pôde escutar “Samba in Paris”, “20 Ligações”, “Lágrimas” ou “Autoestima”, para além de “Hotel Caro” ou “Ela É Gostosa Pra Caralho”. Até se cantaram os parabéns e se fez um enorme cordão humano por fila, que saltou e que vibrou imensamente com a prestação de Baco Exu do Blues e companhia. Justiça seja feita ao rapper, que tanto interagiu e puxou pelo público e pelos seus companheiros, entre os abraços às cantoras e o reconhecimento merecido ao seu guitarrista Ricardo Caian. De igual modo, beneficiou de um trabalho de luz que soube corresponder aos timings da implacável presença de Baco em palco.

Fotografia de Luís Lima (@limapump)

Porém, todos estes pontos positivos têm de ser opostos aos (vários) negativos do concerto: para além de uma vigilância que deixou a desejar — indicou muitas bagagens para o bengaleiro, mas foram inúmeras as mochilas que se viram no público —, ouviu-se mais o público do que os artistas em palco. Somente as vozes imensas e amplíssimas de Mirella Costa e Alma Thomas conseguiram sobrepor-se a um público que, por mais entusiasta e reconhecedor de grande parte das letras de Baco, não poderia ser ouvido por cima do artista. Este, no seu registo normal e natural, não fez nada de menos para não ser escutado e acabou por ser engolido pelas dezenas que, de certa forma, tomaram de assalto o concerto. Para quem queria escutar a voz do rapper, tornou-se uma experiência difícil e pouco agradável.

Outro dos pontos que pouco abonou para o sucesso deste concerto foi a quantidade de névoas, resultantes de muitos que por lá fumavam — desde tabaco a “maconha” (o próprio Baco repreendeu o público por isto). Tornou-se profundamente desconfortável o usufruto do concerto, já que o odor tornou-se inconfundível e pesado para quem procurava uma lufada de ar fresco num recinto, de si só, já concentrado e fechado. As regras do recinto eram claras na sua sinalética — proibido fumar —, mas nem isso susteve a fumaça e o posterior cheiro que se apoderou das roupas dos espectadores.

Fotografia de Luís Lima (@limapump)

O que acabou por aliviar esta situação foi a brevidade do concerto, que mal tocou na hora de duração e que nem a um encore teve direito. A audiência fez por merecê-lo por tamanho calor humano e pela admiração gigante demonstrada pelo artista, mesmo que quase sempre de telemóvel em riste, o que também condicionou em muito a visibilidade dos espectadores mais baixos e de média altura. Contudo, esta não é uma situação exclusiva deste concerto, sendo tão comum em tantos outros, com a velha desculpa de imortalizar aqueles momentos. Apesar disso, ao conjugar estes obstáculos aos outros já assinalados, torna-se muito aborrecido para quem desembolsou 30 euros — nestes dias, um valor ao alcance de cada vez menos — de forma a apreciar o concerto e os artistas em palco.

As nossas conclusões são simples: de facto, Baco Exu do Blues é um fenómeno. As suas letras carregadas de urbanidade e de realidade ressoam em muitos dos pensamentos e dos sentimentos dos jovens que nos são contemporâneos. A musicalidade que tanto respeita os antigos e que tanto convida os novos é uma ponte que se integra na perfeição na projeção do rap brasileiro como muito mais do que um mero compartimento, mas antes parte de um esquema maior. A música brasileira está bem e recomenda-se, por mais que a logística dos espaços onde atua não esteja à altura e deixe a desejar. Por outros fenómenos que venham e que agitem as águas dos que se conformam nos modos, nas palavras, nos sentimentos e nas ações.

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