“Matthias e Maxime”, de Xavier Dolan: muito drama para pouco conteúdo
Após ver “Matthias & Maxime”, cheguei à conclusão que Xavier Dolan parece agora estar apenas a fazer filmes para satisfazer as suas fantasias. “A Minha Vida Com John F. Donovan”, o anterior filme do realizador canadiano, lançado em 2018, parece ter sido uma desculpa para trabalhar com um elenco de luxo, tendo o resultado sido um filme datado e que acaba por não utilizar totalmente o talento dos intervenientes. No entanto, é um drama honesto e com uma explosão de vida. Por outro lado, “Matthias & Maxime” parece única e exclusivamente feito para Dolan ter a oportunidade de se enrolar com o bonzão certificado Gabriel d’Almeida Freitas, actor luso-descendente, não fazendo muito mais com isso.
Matthias e Maxime, dois amigos de infância, trocam um beijo que vem pôr a sua amizade em cheque. É este o evento principal que marca o primeiro acto do filme. No entanto, essa premissa vai-se diluindo ao longo da duração do filme, que se recheia de outras personagens: familiares, amigos e transeuntes. O objectivo das mesmas é emular o naturalismo normalmente presente nos filmes de Dolan. Essas personagens são barulhentas e, em geral, divertidas — especialmente uma irmã mais nova que fala à Geração Z e umas tias/mães que são umas autênticas grafonolas —, mas não se desenvolvem para além do estereótipo em que se baseiam, não inspirando grandes sentimentos e tornando as dinâmicas entre si algo forçadas.
A tensão criada pela subtileza dos sentimentos contraditórios sentidos pelas personagens titulares vai-se perdendo em cenas excessivamente dramáticas e transições musicais que, apesar de se terem tornado uma marca de Dolan, parecem quebrar o desenvolvimento da história em prol de uma coolness que, novamente, parece artificial. É neste limbo entre estilo e conteúdo que Dolan se vai perdendo.
Matthias — representado por Freitas — olha vagamente para pessoas que se parecem com Maxime, para cantos de salas ou para os seus próprios amigos e família. Conseguimos entender que está perturbado, mas é-nos dado pouco contexto para esse sentimento, acabando por parecer completamente desajustado do filme e encontrando-se a anos-luz do intenso e intrigante Francis de “Tom na Quinta” (2013). Maxime, por outro lado, é mais interessante e catártico, com os seus problemas maternais — cujas cenas com Anne Dorval são das melhores do filme — e uma cada vez mais próxima mudança para a Austrália, estando mais a par com o ritmo acelerado do filme. No entanto, quando o filme acaba, sentimos que praticamente todas as suas tangentes narrativas foram inúteis para o propósito da história.
Afinal, o que todos queremos ver é como ficam as duas personagens, mas vamos contando os dias para a mudança de Maxime e a amizade dos dois, tão bem retratada no início, não vai tendo desenvolvimentos. Fica tudo guardado para o dia em que há um jantar e uma festa de despedida. Nesse dia, Matthias faz um fraco discurso de despedida para o seu amigo, reage de forma brutal a algo insignificante e tem uma epifania mal cozinhada, num setup pouco satisfatório para o clímax que todos esperamos desde o início do filme. Esse clímax, sensual e estiloso como deve ser, é encurtado por mais uma abrupta e dramática reacção de Matthias, que deixa Maxime tão confuso como o espectador. No entanto, por essa altura, a relação entre eles já não exige grande investimento por parte de quem está a ver. É por isso que, daí até ao final do filme, as cenas pareçam intermináveis — como as conversas de um advogado idiota com Matthias ou Maxime a falar ao telefone num inglês enervante.
Quando finalmente chega o final, é tão inconclusivo e descontextualizado que realmente parece ignorar praticamente tudo o que se passou até então. É uma conclusão fácil e um final aberto que mais parece um sinal de incompletude ou falta de rumo da história do que propriamente uma intenção de permitir a liberdade de imaginação ao espectador. “Matthias & Maxime” não é necessariamente um péssimo filme, mas é tão desinteressante que acaba por não recompensar quem o vê pelo investimento que faz no mesmo. Dolan já captou o homoerotismo, a confusão, a amizade — enfim, a vida — de forma bem mais cativante.