O (ainda) jovem talentoso Xavier Dolan

por Lucas Brandão,    24 Outubro, 2016
O (ainda) jovem talentoso Xavier Dolan
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Inicialmente conhecido no Canadá por surgir em vários comerciais televisivos, Xavier Dolan redimensionou-se na tela e quis algo mais. Para além de dobragens de filmes internacionais e de algumas participações em filmes nacionais, viu o seu talento ganhar um colorido especial na direção cinematográfica. Tudo começou em 2009 e os resultados estão à vista. Galardões nacionais e internacionais, entre eles em Veneza, Toronto e Cannes, corroboraram a novidade que surgiu no cinema. Na estética e na temática, Dolan proporcionou uma nova abordagem nesta tão sua viagem repleta de ambição e de atuação.

Xavier Dolan nasceu a 20 de março de 1989 na cidade canadiana de Montreal, filho de um professora e de um ator e músico com ligações estreitas com a indústria de entretenimento do estado do Quebéc. Aliás, foi este a charneira que permitiu ao pequeno Xavier crescer rodeado de câmaras, de gente adulta e de muitos conceitos. A sua carreira começou logo aos quatro anos, numa senda de comerciais para uma linha de farmácias. No entanto, o seu apreço pelo cinema surgiu quando, com somente 6 anos, viu Titanic e se entregou à proporção dos sonhos que germinou então. Entretanto, e no decorrer de toda a sua maturação, foi participando em algumas longas-metragens, onde acolheu como sua a paixão por realizar algo do seu cunho e personalizado por si. Foi daí que nasceu a sua primeira produção, concebida com somente 19 anos e lançada já com 20. “J’ai tué ta mére” (2009) tornou-se num trabalho que contou com a sua direção, produção, financiamento e representação (criando o argumento do mesmo com 16 anos) e que foi baseado em parte na sua experiência de vida. O mesmo reporta para a relação tensa com a mãe e para a descoberta da sua orientação sexual, elementos cronológicos que apontam para a sua adolescência conturbada e irreverente. O filme veio à tona como uma surpresa e que conquistou a admiração dos peritos em vários festivais, inclusive o de Cannes. De forma suplementar, tornou-se num dos filmes mais vistos em terras canadianas e foi distribuído em mais de vinte países. Soltava-se o Canadá numa tela com lugar e prazer por ideias frescas e emergentes.

Aproveitando esta rampa de lançamento, o segundo trabalho de Dolan não se fez esperar e soltou-se logo no ano seguinte, sendo este “Les Amours Imaginaires” (2010). O filme retrata uma amizade que se torna beliscada após os dois protagonistas se apaixonarem pelo mesmo homem. Neste, o canadiano inspirou-se no realizador de Hong Kong Wong Kar-wai na transmissão apaixonada e quase ofegante dos transtornos emocionais e conjugais. As funções assumidas pelo cineasta nesta produção foram as mesmas que havia exercido na sua debute, apesar de ser financiado pela empresa privada francesa Rezo. Novas honras foram emitidas em Cannes (no âmbito da competição Un Certain Regard, que prima por trabalhos originais e distintos) e até em Sydney, onde foi galardoado. Nas mesmas condições no festival francês foi recebido o filme “Laurence Anyways” (2012). Remetendo para os finais da década de 80 e inícios da de 90, Dolan aborda um amor impossível entre uma mulher e um homem que deseja tornar-se numa mulher, englobando toda a polémica e atribulações geradas numa sociedade ainda em metamorfose. Não obstante não conseguir cativar uma audiência sólida, saltaram comparações do realizador Xavier Dolan com Stanley Kubrick, na medida em que se inspira no trabalho do norte-americano nas paisagens líricas e no retrato estético naturalista e quase documental. De seguida, saltou para o grande ecrã uma adaptação ao livro do autor Michel Marc Bouchard e de título “Tom à la ferme” (2013). O enredo pega num jovem adulto que, num regresso à terra onde faleceu o seu namorado, fica incrédulo por ninguém o conhecer nem ao elo que detinha com este. Tudo se reclusa de uma forma estranha e cabe ao protagonista desmistificar e segurar os dilemas que o trama gera. Este filme transmitiu um novo fôlego à carreira de Xavier Dolan por se entregar a uma linha mais dura e seca e se despegar da toada habitualmente amorosa e terna que trazia. Apesar de ainda conhecer obstáculos na chegada do seu trabalho aos Estados Unidos, viu a estreia do seu projeto tomar lugar no festival de Veneza.

Um dos maiores impulsos da ainda precoce carreira do canadiano deu-se na produção de “Mommy” (2014). Dividindo o prémio do júri de Festival de Cannes desse ano com “Adieu au langage”, de Jean-Luc Godard, o filme tomou como missão valorizar a força de vontade e a singularidade da alma da mulher. Para tal, o enredo consistiu numa mãe que se esforçava por educar um filho com rasgos de hiperatividade e de má conduta, contando com a hipótese legal de o enviar para um hospital público. Este trabalho continua a tocar na relação maternal, tornando-se num dos traços distintivos do cinema de Dolan, com este a basear-se na sua própria progenitora para o fazer. Para além disto, também o formato cinematográfico se revelou surpreendente, empregando o 1:1 de forma a incutir um traço mais privado e focado no vínculo dos protagonistas. A crítica confirmava o amadurecimento do trabalho do canadiano, opinião consolidada pelos galardões francófonos em Cannes e pela própria pasta da cultura do governo francês (César Award para melhor filme estrangeiro).

Ainda bem recente nos cinemas franceses e canadianos mas contando com um elenco de luxo, chegou este ano “Juste a le fin du monde” (2016). Novamente galardoado no festival da cidade a sul de França, Xavier Dolan adaptou a peça homónima de Jean-Luc Lagarce e retrata um doente terminal e escritor que regressa ao seu seio familiar após doze anos de ausência. Para este trabalho, o realizador convocou nomes de estirpe como Marion Cotillard, Léa Seydoux ou Vincent Cassel. As tensões e distensões daí provenientes são expostas na produção artística, indo de encontro à divergência da personalidade humana e na dificuldade desta de se remodelar perante desavenças passadas. Para o cineasta, tornou-se complexo desconstruir a peça e colocá-la ao serviço da sétima arte precisamente por essa vertente tão singular e distinta entre si, esta que conferiu ao trabalho do dramaturgo uma dimensão demasiado dramática e dispersa. É neste sentido que se desvenda o método meticuloso e rigoroso de Dolan, tanto no tratamento das personagens como no complemento destas no processo visual, explorando a profundidade cénica e a relação câmara-personagem. Em forma complementar a esta apresentação sensorial, também a música conquista um papel proeminente na sua produção, dando novas forças expositivas em relação às emoções que o filme despoleta. É nesse sentido que o canadiano opta por variar intensa e imensamente na sua escolha musical, perpassando por vários géneros na tentativa de criar novas realidades sensoriais.

Na bagagem, o canadiano programa voltar à atividade com um projeto no próximo ano, sendo este “The Death and Life of John F. Donovan“. Voltando a contar com atores internacionais, incluindo Natalie Portman, Jessica Chastain, Michael Gambon ou Susan Sarandon, a obra divulga a correspondência entre uma estrela de cinema e um ator britânico de somente 11 anos, vindo esta a público a partir da magazine “The Gossip”. Trata-se do primeiro filme de Dolan em língua inglesa e de um passo em frente na tentativa de internacionalizar ainda mais o seu cinema, captando mais massas a partir de elencos de referência. Pelo meio da sua carreira, foi encarregue de realizar o videoclip do single “Hello”, da cantora britânica Adele, tornando-se num êxito instantâneo. Para o futuro, o canadiano não se quer desvirtuar das suas origens de interpretar e de atuar na representação e, como tal, não irá abdicar dessas funções perante a realização.

Xavier Dolan apresenta-se como um realizador distinto e sem ter ainda massificado o seu cinema. No entanto, não deixa de exprimir uma linha que navega entre campos mais sentimentais e tensos e contextos temporais mais específicos e restritos. O conhecimento cinematográfico que eventualmente reuniu na sua abrangência sensorial acabou por ter pouca influência nos outputs do seu trabalho, apesar de algumas mas avulsas perspetivas importadas de outros cineastas. No fundo, discursa-se na primeira pessoa contra os vícios de uma sociedade ainda por se ampliar no sentido flexível da compreensão humana. A diferença ainda incomoda e é nesse sentido que Dolan traz o seu cinema, dissertando a sua própria visão do estado das coisas e de como este o influencia. Para os seus trabalhos, nunca prescindiu de um núcleo duro de atores nacionais, embora venha optando por diversificar com mais experiência e nome. No auge de uns ainda tenros 27 anos, tudo parece possível para um artista que traz a tão sua intimidade para uma realizada mas atualizada realidade.

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