O tímido regresso dos cinemas e da sétima arte
Luzes, câmara, ação! E o filme começa. No ano de 2019 muitos foram os que voltaram aos cinemas portugueses, que tiveram um ano muito positivo e que mostrava que o público estava a regressar às salas de cinema e a procurar mais esse tipo de ligação emotiva com a sétima arte, embora cada vez mais tudo seja disponibilizado online e sem sair de casa. Hoje os tempos são diferentes e tão rápido se deu um salto positivo, como neste momento se sente um rombo monumental.
Na fila do Cineplace, no Serra Shopping na Covilhã, há na verdade tudo menos fila. Chego vinte minutos antes do filme começar e mesmo assim apenas existem duas pessoas nessa fila. Eu próprio e outra pessoa à minha frente que torna esta experiência menos solitária. O cinema na Covilhã, esse também se adaptou aos novos tempos. Desinfetante antes de entrar no espaço das salas, filmes sem intervalo para evitar circulação nas salas, marcações de circuitos no chão para evitar demasiada proximidade entre os espetadores, horários desencontrados entre filmes para evitar cruzamentos entre o público, máscara obrigatória durante todo o filme, salas desinfetadas depois da sua utilização, preço promocional de reabertura para todo o público etc. Muitos estão a ser os cuidados deste espaço para garantir que as pessoas se sentem em segurança quando vão ao cinema. Afinal, apenas com segurança e garantia de higienização correta se vai conseguir desinibir o público a voltar a um ritual que se tinha perdido no tempo e que estava a regressar de forma surpreendente, mas muito bem aceite. Parece que passem os anos que passarem, inventem-se as plataformas que se inventem, nunca nada vai retirar o poder que tem “o escurinho do cinema” como diria Rita Lee.
Também a oferta mudou e adaptou-se a estes novos tempos, até em sintonia com os produtores de cinema portugueses. Mais filmes portugueses, mais ofertas variadas que chamem o público e que marquem pela diferença com conteúdos que ou são exclusivos ou são apresentados pelo menos de uma forma que seja exclusiva e diferente do que podemos encontrar no mundo digital. Temos como exemplo o “Três Realizadoras”, um conjunto de três curtas-metragens de três realizadoras de cinema portuguesas que é apresentado ao público como um todo, criando um conteúdo que é único e que tem o mérito de dar a conhecer às pessoas o cinema português e o que de melhor se faz em Portugal. Se há coisa que a pandemia parece ter trazido é um reforço da identidade nacional e da necessidade de apoiar quem cria arte em Portugal. Nunca a sua importância na vida de alguém na forma presencial foi tão bem entendida do que quando a única forma de vermos a arte acontecer foi meramente digital.
Mas voltemos à sala de cinema. O regresso vai de facto sendo tímido… Domingo à tarde, um dia em que em condições normais estariam dezenas e dezenas de pessoas na sala a assistir ao filme exibido. Algo que até seria de esperar dada a grande quantidade de pessoas que estavam dentro do shopping naquela tarde, a relembrar velhos tempos, não fossem as máscaras que tapam rostos e ofuscam expressões. Na sala estavam apenas três pessoas a assistir ao filme. E eu era uma delas. Acabamos por sentir o peso do silêncio, mais do que o habitual. Daquele que já está presente antes do filme começar e que continua quando o mesmo acaba e passam os créditos finais. Ainda assim há uma sensação libertadora em voltar a uma sala de cinema. Como que um ligeiro paladar de uma liberdade total que tanto queremos ter de volta.
O regresso vai-se fazendo lento. Porque o cinema é feito de pessoas. E é feito para elas. E enquanto elas faltarem, na medida do possível e do exequível nesta fase, não está a acontecer cinema. E o que é de uma sociedade que não tem acesso a um escape ficcional para não viver sempre na realidade?
Esta reportagem é da autoria de Fernando Gil Teixeira e foi originalmente publicada em Jornal Fórum Covilhã