A poesia visual do director de fotografia
A cinematografia é um dos elementos mais importantes de um filme. Tão ou mais importante do que o argumento ou o desempenho dos actores, a cinematografia consegue transportar o espectador para um ambiente próprio definido pelo director de fotografia e, dependendo da produção, com o apoio do realizador do filme.
Desta forma, a cinematografia de um filme pode acrescentar qualidade e um determinado tom a um filme que tenha um argumento dito “mais normal”, ou personagens sem grande complexidade. Um bom director de fotografia faz com que um filme comum se possa tornar numa obra mais forte e com maior identidade. Mesmo que a fotografia do filme não se distinga do resto, mas que reforce a abordagem do realizador.
A adaptação de um argumento para imagem é feita pelo director de fotografia, que escolhe quais as câmaras a usar, películas de imagem e definições de cor. Basicamente é o técnico que adapta o tom do argumento à imagem. O realizador é meramente quem idealizada o argumento numa imagem, quem estrutura os planos e sequências, assim como o crescimento narrativo do filme. É natural que muitas vezes um determinado realizador trabalhe sempre com o mesmo director de fotografia, embora por vezes o realizador possa querer um ambiente completamente diferente e para isso requerer a ajuda de outro director de fotografia com diferentes características.
Neste texto vamos analisar brevemente a carreira de três directores de fotografia: Emmanuel Lubezki, Christopher Doyle e Robert Elswit. Podia ter falado de tantos outros mestres, mas desta vez fiquei apenas por estes três.
Emmanuel Lubezki
A sua primeira participação profissional de destaque foi uma colaboração directa com o seu amigo de longa data, Alfonso Cuarón, ambos Mexicanos, na primeira curta metragem de Cuarón, Vengeance Is Mine. Esta colaboração verificou-se prolifera, já que o director de fotografia e realizador mexicanos colaboraram em oito projectos ao longo das suas carreiras. E Cuarón não foi o único mexicano a render-se ao trabalho exímio de Lubezki, também Alejando González Iñarritu recorreu aos serviços do seu compatriota, nomeadamente nos filmes Birdman e The Revenant, ambos galardoados nos óscares. Além dos trabalhos produzidos com os seus amigos de longa data, Lubezki também trabalhou com os irmãos Coen em Burn After Reading, e tem sido aposta frequente nos mais recentes trabalhos de Terrence Malick, The New World, The Tree of Life, Into the Wonder, Knight of Cups e Song to Song.
O trabalho de Lubezki começou a ganhar grande destaque após o filme de culto Children of Men, que lhe valeu várias menções honrosas a si e a Cuarón, como um dos filmes mais à frente do seu tempo. Além de ser o primeiro director de fotografia a ganhar consecutivamente três óscares da academia, é também considerado uma das pessoas mais inteligentes de Hollywood.
A nível técnico os trabalhos mais recentes de Lubezki caracterizam-se pela palidez das cores, que são muitas vezes sombrias. A importância do azul, verde e cinzento nas suas imagens atribuem um tom mais soturno e pálido aos seus filmes, algo que encaixa na perfeição com a maioria dos protagonistas dos mesmos (Children of Men, Birdman, The New World, The Revenant). O facto de trabalhar maioritariamente dramas oferece-lhe a possibilidade de explorar este lado mais isolado do personagem através destas mesmas cores. É este tom visual que define grande parte do que sentimos nos seus filmes. Embora esteja sempre em correlação com o argumento, o ambiente é em grande parte definido pela imagem, mesmo que muitas vezes não tenhamos noção disso. Por vezes na mesma escolha de cores existem diferenças que transmitem sentimentos completamente diferentes, e é aqui que Lubezki é um génio.
Christopher Doyle
Ao longo de trinta e quatro anos, Doyle trabalhou em oitenta projectos. Estes números revelam a extraordinária capacidade de execução que este director de fotografia australiano possui, além de uma qualidade especifica, difícil de encontrar noutros directores de fotografia.
Grande parte dos directores tende a trabalhar sistematicamente com um realizador. Embora decida também fazer outros trabalhos, é natural que se prenda a um ou dois constantemente. Como em todos os trabalhos quando temos uma boa equipa gostamos de a manter. Christopher Doyle começou a trabalhar em Taiwan, com o mestre do cinema chinês Edward Yang (Yi-yi e Brighter Summer Day, por exemplo). Seguiram-se outros trabalhos com outros realizadores asiáticos até que em 1990, Doyle trabalha com Kar-Wai Wong em Days of Being Wild, e é aqui que nasce uma bela amizade, para eles e para nós, espectadores do incrível espectáculo visual de Doyle e da magnifica composição narrativa de Kar-Wai Wong. Se o trabalho do realizador chinês é tão conhecido e importante hoje em dia é muito graças ao trabalho visual de Christopher Doyle, que através do contraste de cores fortes atribuiu um ambiente bastante especifico à maioria das obras de Kar-Wai. Os dois trabalharam juntos em doze projectos, incluindo curtas metragens, anúncios e longas metragens.
Além de ter colaborado com inúmeros realizadores chineses de topo, Doyle também foi requisitado nos Estados Unidos, tendo trabalhado com Gus Van Sant, M. Night Shyamalan, Jim Jarmusch e mais recentemente com Alejandro Jodorowsky, quatro realizadores mais independentes. Destaque ainda para o seu magnifico trabalho em Hero de Yimou Zhang, um filme bastante aclamado pela sua componente visual, especialmente nas suas cores.
O destaque dado a cores como vermelho e verde, tornando-os bastante fortes, acrescenta um tom quente a muitas cenas que são quase o oposto. Esta “brincadeira” visual é fruto de uma decisão conjunta entre si e os realizadores com que trabalha, atribuindo-lhe um tom muito próprio, quase impossível de encontrar noutros filmes. As suas obras primas são sem dúvida as colaborações com Kar-Wai Wong, nomeadamente nos filmes 2046, Chungking Express e In the Mood for Love.
Robert Elswit
A carreira Robert Elswit ficou bastante ligada a algumas séries e filmes para TV de menor qualidade, tendo sido apenas com Hard Eight, o primeiro filme de Paul Thomas Anderson, que Elswit conseguiu atingir a ribalta. Esta parceria valeu-me em 2008 um óscar, com There Will be Blood. Ao longo da sua extensa carreira não existem muitos filmes de qualidade que mereçam a pena referir, excepção feita a todos os de Paul Thomas Anderson (só não foi o director de fotografia de The Master); Syriana; Good night, and good luck; Michael Clayton; Nightcrawler, The Town e a série The Night Of.
O equilíbrio perfeito entre luz natural e artificial revela-se uma das maiores qualidades de Elswit. Apesar da sua carreira repleta de filmes menores, cada vez que trabalhou com bons realizadores obteve excelentes resultados, principalmente com Paul Thomas Anderson, onde conseguiu construir um ambiente narrativo tão próprio do cinema do americano. Inherent Vice é um dos exemplos da sua capacidade de adaptação, com inúmeras cenas psicadélicas onde a conjugação de diversas luzes e cores são orquestradas de forma magistral. De referir também o seu trabalho com Nightcrawler, um ambiente praticamente nocturno cheio de jogos de luzes que caracterizam o personagem principal. Robert Elswit é daqueles directores de fotografia cujo trabalho não salta à primeira vista, mas quando observado em detalhe (e existem inúmeros exemplos extraordinários em There Will be Blood) revela toda a sua genialidade.