Scorsese diz que o cinema não é “conteúdo” e queixa-se da falta de curadoria das plataformas de streaming
Martin Scorsese é um dos realizadores mais importantes da actualidade, tanto pelo seu histórico, já fez mais de 69 filmes desde 1959 e nunca amais parou, como pelo seu lado crítico e interventivo sobre o próprio cinema. Agora, num ensaio dedicado a Fellini e divulgado pela Harper’s Magazine, o cineasta norte-americano aborda a desvalorização do cinema e centra o seu ponto de vista nas plataformas de streaming que, na opinião do também produtor, têm efeitos na experiência de ver cinema.
“Há cerca 15 anos, o termo conteúdo era ouvido apenas quando as pessoas discutiam o cinema num nível sério, e era contrastado e comparado com forma”, escreveu Scorsese no ensaio para a Harper e onde acrescentou ainda que a palavra começou a ser cada vez mais usada como um “termo comercial para todas as imagens em movimento: um filme de David Lean, um vídeo de gatos, um anúncio da Super Bowl, uma sequela de super-heróis, um episódio de uma série.”. O cineasta relacionou esta nova realidade com as plataformas de streaming que “vieram para superar a experiência do cinema, assim como a Amazon superou as lojas físicas. Por um lado, isso tem sido bom para os cineastas, inclusive para mim, mas por outro criou uma situação em que tudo é apresentado ao espectador em igualdade de condições, o que parece democrático, mas não é.”
O realizador de “Taxi Driver” escreveu ainda no mesmo ensaio sobre a falta de curadoria nas plataformas de streaming e mencionou a Netflix, Apple TV+ e a Amazon: “A curadoria não é antidemocrática ou elitista, um termo que agora é usado com tanta frequência que perdeu todo o sentido. É um acto de generosidade — tu estás a partilhar o que gostas e o que te inspirou.”. O cineasta também elogiou a existência de curadoria nas “melhores plataformas de streaming, como Criterion Channel e MUBI, e nas tradicionais, como o canal TCM”.
Scorsese conclui o ensaio com um alerta “não podemos depender da indústria do cinema tal como ela é para cuidar do cinema. No ramo do cinema, que agora é um negócio de entretenimento visual de massas, o ênfase está sempre na palavra negócio, e o valor é sempre determinado pela quantidade de dinheiro a ser ganho com qualquer propriedade (…). Quem conhece o cinema e a sua história sabe que temos de partilhar o nosso amor e o nosso conhecimento com o maior número de pessoas possível e temos que deixar bem claro para os actuais proprietários legais desses filmes que estes são os maiores tesouros da nossa cultura e que devem ser tratados de acordo com essa lógica.”
“Killers of the Flower Moon” será o próximo trabalho de Scorsese como realizador, o filme terá produção da Apple e será distribuído pela Paramount. A produção custará 200 milhões de dólares e deverá ser lançada na Apple TV+ em 2022.