“I Care a Lot”, de J Blakeson: uma comédia negra de entretenimento espalhafatosa
Não há dúvida que Rosamund Pike é uma das mais carismáticas actrizes a trabalhar no cinema norte-americano actualmente e o papel de cínica assenta-lhe que nem uma luva. É provável que o êxito de “I Care A Lot” se deva quase exclusivamente ao excelente trabalho dos seus actores, cada um mais “sedutor” que o outro, desde Peter Dinklage a Chris Messina, passando por Dianne Wiest, uma vez que o trajecto de J Blakeson (realizador e argumentista) está perto do medíocre. Será suficiente? Sim. É verdade que o argumento de “I Care a Lot” está esburacado e que a bem do rigor há muita coisa coisa que não bate certo, mas será isso assim tão importante num filme que vive do carisma das suas personagens e da sua metáfora?
Essa metáfora, a do capitalismo imoral e desenfreado numa história onde não existem heróis e na qual somos forçados a torcer por uma protagonista que de sorriso aberto enriquece aproveitando-se dos mais fracos, transpõe uma sátira acertada que deve ser levada a sério na mesma medida em que o seu negríssimo humor desfila pela tela. Caso contrário corremos o risco de cair na esparrela de nos deixarmos afectar pelo falacioso raciocínio de que “I Care a Lot” está de alguma forma a glamorizar a exploração de idosos através de uma estética moderna e de um argumento de mau gosto que se esconde por trás da desculpa do humor negro. “I Care a Lot”, e o cinema a bem dizer, não deve estar amordaçado ao politicamente correcto, mas ainda assim o filme, que durante as suas duas horas orgulhosamente demonstra a sua audácia, parece acobardar-se na sua cena final, como se não tivesse coragem suficiente para levar o ultraje cínico da sua protagonista até ao fim. É pena, mas não é suficiente para deitar os esforços de “I Care a Lot” por terra.
Além das suas charmosas interpretações, temos aqui também um produto cheio de personalidade na sua realização e edição, com uma fotografia inesperadamente boa e um humor de situação refinado que vai beber ao melhor dos irmãos Coen. Não se faça de “I Care a Lot” mais do que aquilo que é: uma comédia negra de entretenimento espalhafatosa que se balanceia na corda da sátira capitalista.