Promises: a obra-prima de Floating Points e Pharoah Sanders
Para fãs de música electrónica contemporânea, o nome de Floating Points não será desconhecido. Tanto para eles como para a crítica, Elaenia e Crush, os seus dois LPs de estreia, são do melhor que se tem feito nos últimos anos — e não só no campo da electrónica. Pelo meio, houve ainda espaço para uma incursão pelo deserto e pelos meandros do post rock (suscitando comparações aos Pink Floyd), assim como para uma miríade de remixes e projectos musicais variados. Sam Shepherd, o neurocientista de formação, produtor e músico, simplesmente não falha.
Por isso, quando surgiram notícias de que uma colaboração com o colosso e veterano do jazz Pharoah Sanders seria lançada em breve, as recordações calorosas da electrónica e jazz quentes de Elaenia foram suficientes para entusiasmar. Aliás, foi esse o disco que potenciou a amizade entre Sanders e Shepherd. Como se isso não fosse suficiente, o disco contaria ainda com a participação da Orquestra Sinfónica de Londres, que enriqueceria os arranjos de Sam. Pela premissa, o resultado prometia; não seria de esperar outra coisa senão um portento.
Promises é um disco que requer uma certa predisposição para ser escutado. Não serve como barulho de fundo, nem como banda sonora de tarefas quotidianas, dado que oscila entre silêncios absorventes e clímaces intensos, com crescendos detalhados que precisam da atenção devida. Isto não torna o disco alienante, de maneira nenhuma, simplesmente é melhor desfrutado com ouvido para os seus inúmeros detalhes: ligeiras mudanças de tom, a presença humana incontornável ou até estalidos da madeira dos instrumentos. Não há nada a mais, nem a menos; é uma depuração artística no seu melhor.
Por esta altura, já muito foi dito relativamente a Promises. Uma das minhas descrições preferidas é a de uma “experiência reparadora”, nas palavras de Vítor Belanciano. Cada vez que começo no primeiro movimento da interpretação de 46 minutos e uns pozinhos, é como se clicasse no reset. Um arpeggio de sete notas abre a composição com uma paz solene, repetindo-se a cada nove segundos ao longo de quase toda a peça, com ligeiras metamorfoses. É a base da música, sendo uma espécie de chamada de atenção ou, como a Pitchfork descreveu, como um momento de “despertar”. Promises evoca possibilidades e caminhos, florescendo nos nossos ouvidos e alterando a percepção do que nos rodeia.
Cada elemento tem a oportunidade de brilhar, mas o poder encantatório de Promises vem do saxofone de Pharoah Sanders — ora sedutor, ora cáustico. É certamente um lugar-comum, mas é impossível não mencionar os 80 anos que não se fazem notar na vivacidade das suas melodias. Os sintetizadores espaciais de Floating Points ajudam a elevar a composição, mas, na generalidade, a mestria de Sam Shepherd reside no facto de deixar “os grandes” fazer a sua magia. As subtis texturas electrónicas são o complemento ideal para a obra, convidando-nos a entrar no seu mundo caloroso nos curtos primeiros movimentos e a ficar para o momento explosivo de “Movement 6”, o clímax de facto de Promises, em que, após um preâmbulo de uma tristeza clássica, a grandiosidade das cordas da Orquestra Sinfónica de Londres é verdadeiramente emocionante. É tão avassalador que não há outra hipótese senão esfumar-se subitamente.
Passar o momento dessa quebra é como atravessar um portal. O espaço deixado pelo som parece ser tão tangível como o que antes disso veio. A partir daí, os instrumentos parecem pairar no ar, guiados por sintetizadores celestiais, que entram numa abstração psicadélica. “Movement 7” é o momento do infinito, da sinestesia, do êxtase. É a revelação depois da catarse, que novamente, tão surpreendentemente como começa, acaba. O oitavo movimento já nos traz de volta à terra, com maestria e classe, devolvendo-nos ao mistério pontuado pelo cravo do arpeggio que define Promises. O final estabiliza-nos e prepara-nos para uma nova imersão no mundo deste disco, se para isso estivermos preparados.
Promises é uma obra-prima. É um disco transportador, capaz de definir um ambiente imediatamente. Ao fim de umas quantas audições, é bem provável que não o conheçamos na sua totalidade; não porque se coíba de se revelar, pois fá-lo continuamente, mas porque é intricado e complexo, mesmo que nem sempre soe como tal. Pelo meio das suas camadas, como diz o velho adágio em inglês: é um “gift that keeps on giving”. Apenas um mês após o lançamento, já podemos fazer a promessa de regressar sempre aqui. Assim como o disco, há promessas que são para ser cumpridas.