Desenhando círculos de música quente com os Chão Maior
A expectativa e entusiasmo sentia-se no público antes do concerto dos Chão Maior na Culturgest, em Lisboa. Para muitos, este terá sido o seu primeiro espectáculo pós-confinamento, nas ganas de retomar uma vida cultural relativamente normal. O preâmbulo foi de reencontros, de mais conversa do que o habitual e até do saudosismo dos rituais que antecedem um concerto — tão simples como validar o nosso bilhete ou encontrar o nosso lugar na sala. Talvez por isso tenha sabido tão bem a introdução bucólica feita pelo septeto que entrou em palco pouco depois da precoce hora marcada. Fazendo-se valer de sinos e outros instrumentos usados para retinir e criar textura, os artistas refrearam o ritmo citadino e evocaram uma paz campestre, desacelerando o passo.
Este projecto, liderado pelo músico e trompetista essuatiniano Yaw Tembe, é composto ainda por Norberto Lobo (guitarra), Ricardo Martins (bateria), Leonor Arnaut (voz), João Almeida (trompete) e Yuri Antunes (trombone). Três meses após o lançamento do disco de estreia, este concerto marcou a esperada apresentação ao vivo de Drawing Circles, com a participação especial de Salomé Matos na harpa e as nostálgicas projecções de Igor Dimitri a complementar visualmente a música.
Actuando numa espécie de meia-lua aberta para o público — bateria ao centro, sopros à esquerda e cordas (de nylon ou vocais) à direita —, a banda entrou numa jam session aprumada, em que os músicos demonstraram uma óptima sincronia e química, completando os instintos uns dos outros de forma natural e impressionante, sem renegar a sua individualidade. Sem pausas, os diferentes “círculos” e “passos” de Drawing Circles passavam de músico em músico como ping-pong; por exemplo, enquanto as trompetes concluíam uma secção, Norberto Lobo preparava já a entrada num novo tom.
A repetição de estruturas ao longo do espectáculo e o encontro dos grooves, depois mantidos de forma cíclica, traduziam a ideia transmitida pelo título do disco, de desenhar círculos com a música. A banda parecia compenetrada em induzir um trance, tocando notas graves e redondas e explorando uma dissonância conciliadora, nomeadamente pela voz apaziguadora de Leonor Arnaut. Talvez por isso as composições tenham tomado o seu tempo a desenvolverem-se. A introdução inicial do concerto, que também abre a canção “Círculo 3”, demorou uns bons minutos a brotar e, finalmente, a navegar pelos mais de 10 minutos de kraut.
Contudo, apesar da clara mestria técnica, da fidelidade ao som do disco e das aparentes boas intenções da banda em criar um espectáculo imersivo, a música acabava por ficar aquém do que poderia ter sido, nunca enchendo a sala com o som rico da soma das suas partes. Não é que as canções de Chão Maior sejam especialmente efusivas, mas, por mais plácidas que possam soar em disco, envolvem-nos mais do que aquilo que foi atingido no concerto. Nelas, há um certo calor evocado pelos sopros quentes, por algumas estruturas reminescentes do afro jazz e até pela capa do disco. Em concerto, talvez tenha sido a demora no desenvolvimento das canções que lhes retirou alguma da sua urgência, resultando em alguns momentos anticlimáticos e, finalmente, mornos. Por outro lado, quando o som se elevava, o ritmo acelerava e a música desafiava, o coração sempre batia mais depressa, na expectativa de estar no abismo de uma canção que parecia estar a ponto de implodir.
Independentemente das expectativas, goradas ou não, a oportunidade de ver tão talentosos músicos a tocar ao vivo — bolas, simplesmente a oportunidade de poder assistir a um concerto — foi motivo mais que suficiente para desfrutar do concerto. É cada vez mais pertinente, mas nunca suficiente, relembrar que a cultura é segura e que precisa da nossa ajuda agora, mais do que nunca.