“Uma Vida no Nosso Planeta”, o dia em que David Attenborough nos disse para invertermos a marcha enquanto é tempo
Houve um tempo em que toda a exploração massiva e abusiva aos recursos naturais do nosso planeta eram justificáveis aos olhos das populações mundiais. Conversas ou mesmo discussões mais acessas sobre ecologia, biodiversidade ou mesmo sustentabilidade da forma como agimos e nos comportamos, eram antes meramente académicas e não cativavam ou alertavam, muitas vezes por desconhecimento e outras por falta de indícios fortes (algo que será sempre de definição duvidosa), o público em geral.
David Attenborough, atualmente com 95 anos celebrados ainda na semana passada, foi sendo, em todo esse tempo, a voz mais crítica e combativa a essa exploração, tendo aumentado o seu papel interventivo com o avançar dos seus trabalhos e também conforme se foi apercebendo bem de perto de como o ser humano e a sua presença estavam e estão a ter efeitos altamente nocivos no planeta e na sua biodiversidade. Apesar disso, existe quem defenda que este seu papel interventivo e de alerta surge apenas mais demarcado no ano de 2005, quando releva não ter qualquer dúvida sobre as alterações climáticas e os seus efeitos. No entanto o seu sentido ecológico e defesa do planeta já tinha começado muitos anos antes, tanto em livros como em documentários. Relembrar que o facto de David Attenborough se ter aliado fielmente a esta causa de defesa do nosso planeta trouxe efeitos visíveis a olho nu e em muito pouco tempo, fazendo a sua mensagem chegar a milhões e milhões de pessoas em poucas horas depois de publicar algo online. Aliás, Sir David rendeu-se aos 94 anos ao Instagram e criou uma conta onde fez a sua primeira publicação, que espantem-se ou não, demorou apenas quatro horas a atingir o um milhão de seguidores, superando aqueles que até agora eram considerados os grandes influenciadores de crescimento instantâneo nesta rede social: David Beckham, Jennifer Aniston, Príncipe Harry e o Papa Francisco.
David Attenborough tem voltado muito a sua atenção para os mais jovens, até porque como o próprio referiu numa entrevista à BBC, “É o mundo deles amanhã. Eu já não estarei aqui, eles estarão”. E é nesse sentido que os últimos trabalhos de David Attenborough, principalmente este “Uma Vida no Nosso Planeta”, se têm voltado para o público mais jovem e chegado ao tipo de plataformas que este usa, nomeadamente a Netflix, onde o documentário relativo a este livro já está disponível.
“Uma Vida no Nosso Planeta” é essencialmente um relato cru sobre a realidade. Um relato sem meias medidas, sem discursos motivadores simpáticos e sem mensagens esperançosas numa altura em que já não podemos viver só disso e Sir David sabe-o como mais ninguém. Um relato sobre a realidade passada e que este foi vivendo, mas também antes disso, indo aos primórdios da nossa existência enquanto comunidade mas também enquanto planeta; sobre a realidade presente e o que conseguimos enquanto espécie, principalmente a forma como nos conseguimos tornar tóxicos para o planeta e para todas as outras espécies que nos rodeiam; sobre a realidade futura, que está já a dar sinais de si e que tem de ser estancada e invertida antes que seja tarde de mais. Sir David vai ainda mais longe e relata-nos a evolução que o planeta terá nas próximas décadas, num longo espaço temporal, se nos mantivermos no curso atual. E fá-lo de uma forma tão realista e sustentada que consegue/conseguirá (esperemos nós) alertar até os mais descrentes. Diria Donald Trump que as alterações climáticas são um mito em que nos querem fazer acreditar. Certamente e infelizmente, ainda não leu David Attenborough.
Por estes mesmos motivos, este livro acaba por ser um verdadeiro manual de sobrevivência para a espécie humana e a melhor forma de quem não conhece bem o tema se inteirar bem de como tudo surgiu e onde poderá tudo ir descambar a este ritmo alucinante a que gastamos os nossos recursos naturais. Estamos a dia 14 de Maio de 2021 e ainda ontem, a 13 de Maio, Portugal gastou os seus recursos naturais do ano inteiro. Portanto não, não acontece só aos outros e às grandes potências industriais. Sir David explica-nos como surgiu o impacto humano no planeta, como este foi avançando e sendo intensificado, quando ultrapássamos a nossa capacidade de existência e quando surgiram os primeiros sinais de que precisávamos urgentemente de abrandar. Faz ainda um paralelismo muito interessante com a nova pandemia, com a necessidade de mudar de hábitos e não se fica por palavras… Sugere mudanças efetivas, explica-nos como o podemos fazer e chega a dar-nos prazo do tempo que ainda podemos ter para fazer inversão de marcha nesta viagem guiada e consciente que teimamos em trilhar contra o abismo.
Sobre o livro e sobre a mensagem, Sir David é claro. “Para a vida prosperar neste planeta, tem de existir uma imensa biodiversidade. Só quando milhares de milhões de organismos conseguem tirar o máximo partido de cada recurso e oportunidade que encontram, e só quando milhões de espécies vivem vidas que se interligam de modo a sustentarem-se umas às outras é que o planeta pode funcionar com eficiência. Quanto maior for a biodiversidade, mais segura será toda a vida na Terra, incluindo nós próprios. Contudo, o modo como nós, seres humanos, vivemos hoje na Terra está a colocar a biodiversidade em declínio. O mundo natural está a desaparecer aos poucos. As provas estão por toda a parte.”, refere. E foram essas mesmas provas que este viu, comprovou e registou de perto que o fizeram escrever este livro e apostar neste novo documentário. Para David Attenborough, “ainda há tempo para se desligar o reator”, sendo um livro que não aponta apenas erros mas também soluções que ainda podem corrigir grande parte do que foi feito.
Para isso, Sir David termina a sua mensagem com um alerta importantíssimo: “we need to rewild the world”, ou seja “precisamos de renaturalizar o nosso planeta”. Esta filosofia de rewilding, de deixar a natureza tomar novamente o seu papel e restaurar os seus processos naturais, se lhe dermos o espaço, o tempo e as condições necessárias para tal, deixando depois que seja esta a curar-se e retomar o seu caminho natural que fomos impedindo sistematicamente ao longo de décadas e séculos, está a ganhar espaço e apoio e tem cada vez mais projetos dedicados a mostrar os seus resultados práticos e como é atualmente a melhor solução para recuperar a biodiversidade criticamente perdida e ecossistemas funcionalmente completos novamente, incluindo em Portugal. Para saber mais sobre esta nova abordagem de conservação de natureza, podem ler outro artigo publicado na Comunidade Cultura e Arte, aqui.