Não se cansem
Charles Bukowski foi simpático e lançou o alerta. “Respirar é uma doença”. Cumpriu o seu dever porque à obrigação, por estas terras, não destinou o seu espaço. O adágio, se escutado e interiorizado pela espécie fosse, compunha um excelente e capaz método de prevenção à ausência de — digamos — pirraça, irritação no próximo. Cessada a viagem respiratória que não pode esperar, ninguém prestava serviços mínimos a fim de seguir o modo de confeção da sobrevivência ou brindava o seu percurso com a alegria (ilusória ou não) que os distingue. É hora de começar a gizar o entupir das narinas…
Fernando Pessoa, à boleia do ópio e erguido pelas suas múltiplas personas mais profundas, apontou a morte como a última das ilações a ser retirada do que quer seja. Outras, às quais não atribuo nomeação por puro desconhecimento, a cada passo, parecem fazer emergir da lapela um papel meticulosamente dobrado com as seguintes palavras “se estivesses lá, fazias melhor?”. No fundo, a introdução de dois génios literários serviu somente como arma de arremesso para um simplório devaneio, provavelmente desinteressante aos olhos que aqui se encaixam.
(momento a partir do qual o leitor se enxerga da manobra vil de extrair metade da frase do alemão com o intento de possuir material de escrita, fiel servo do primeiro parágrafo). Ora, centre-se — novamente — o foco. Antes de dissecar algo, importa referir o seguinte: a preponderância que concebo a este assunto pode, inicialmente, redundar no delírio, mas asseguro que se prende apenas com o facto de a esterilidade dos temas ser semeada em terrenos de exaustiva fertilidade.
Paulatinamente, a seita — cresce e vai fazendo mossa. Consta-se que se disfarçam de comuns, sem qualquer acessório que os identifique. Infiltram-se em todas as castas sociais, sem exceção (caramba, Miguel Cervantes!), adentram sobre todo e qualquer assunto que arrecade terreno na praça pública e sua respetiva opinião, não giza a segregação entre fatores passíveis de discriminação imediata como sexo, religião, idade, género, raça, entre outros. Além disto, apurou-se ainda que, aquando de um diálogo e quando erigidas diversas opiniões enformadas em crítica a uma tomada de decisão, a parafernália de indivíduos representativa desse grupo emite lança-chamas e setas envenenadas dos olhos. A uma velocidade estonteante, desconstroem o argumento que lhes foi dirigido e acercam-se de uma espécie de bolha de (i)moralidade invisível: aí, só aí, debitam as palavras mágicas.
Sim, já fui vítima e quase um mártir. Assolou-me uma perplexidade imediata. Na última vez que consultei os registos da nação — por mero descargo de consciência — era outorgada a soberania ao povo, mas este parece estar numa súplica constante para que ninguém se incomode: porque não vale a pena, porque nada muda nem irá mudar, porque estamos e devemos permanecer assim, acostumados e brandos na análise. Oh, que disparate agora andar aí às turras apreciativas, dar uma opinião, ouvir a do outro, concordar, discordar, debater, argumentar segundo ideologias ou crenças. Que chatice pegada!
“Se lá estivesse, fazia melhor?”. Oxalá fizesse melhor. Talvez fizesse pior. Porém, é precisamente por isso que não estou lá, seja lá qual seja a referência ao advérbio de lugar. Porque não foi incumbido nem me incumbi de determinada missão. A democracia — ainda — não está em perigo, apesar do poderio balístico deste conjunto tecer ameaças e atentar contra a sua legitimidade. Com intenção ou não, a atmosfera tende a ser anexada por aquela névoa de descrédito e rígida indiferença, envolta na vinda de D. Sebastião. Agora — e digo-o pelo facto de só me poder basear na época em que vivo — uma crítica é um enxerto de porrada e uma discussão uma tentativa de assassinato.
Estou certo de que a grande maioria faria melhor do que este texto. Não estou tão certo quanto à possibilidade de alguém conseguir a proeza de pior. Quanto aos comentários — esses malditos — não valem a pena serem desferidos. Não se cansem!