Entrevista. Christine Vachon: “Muitos pensam que os direitos LGBTQ+ começaram na noite de Stonewall, mas isso não é verdade”
Estreia hoje, dia 25 de junho, no Disney+ a série “PRIDE”, série documental sobre a luta pelos direitos das pessoas LGBTQ+ nos Estados Unidos da América. Constituída por seis episódios, todos disponibilizados hoje em streaming, a história é contada por décadas. Cada episódio, uma década, começando nos anos 50.
A cargo da realização estão sete realizadores LGBTQ+: Tom Kalin (“Savage Grace”, 2007), Andrew Ahn (“Driveways”, 2019), Cheryl Dunye (“The Watermelon Woman”, 1996), Anthony Caronna, Alex Smith, Yance Ford (“Strong Island”, 2017) e Ro Haber.
A série conta com produção executiva de Christine Vachon, produtora de quase uma centena de filmes incluindo “Carol” (Todd Haynes, 2015) e “First Reformed” (Paul Schrader, 2017), e Alex Stapleton, vencedora de um Emmy e realizadora do filme “Corman’s World” (2011). Foi precisamente com Christine e Alex que conversámos sobre a série “PRIDE”, a história do movimento LGBTQ+ e o que tem vindo a mudar nas últimas décadas.
Ao longo dos seis episódios, a série percorre vários acontecimentos importantes do movimento LGBTQ+, como por exemplo os protestos de Stonewall e a epidemia da SIDA nos anos 80. Diria que houve algum evento de menor dimensão que é contado nesta série mas que até agora nunca tinha recebido grande visibilidade?
Christine Vachon: Sim, em todos os episódios. Na verdade, Stonewall está lá, mas o que está mais presente de certa forma são todos os protestos que antecederam Stonewall, os quais muito poucas pessoas conhecem! Muitos pensam que os direitos LGBTQ+ começaram na noite de Stonewall, mas isso não é verdade. Houve revoltas antes, frequentemente por pessoas de partes extremamente marginalizadas da comunidade que se fartaram e se impuseram. Em cada episódio, há uma história que te leva a um lugar do qual não terias conhecimento de outra forma. Uma história nunca antes contada, nunca antes proclamada, porque simplesmente não emergiu da pilha da História.
E a Alex, o que diria?
Alex Stapleton: Quando virem o episódio sobre os anos 60, vão se aperceber que houve um esforço deliberado em esclarecer que a história começa antes de Stonewall. Era importante para a Christine, para mim, e principalmente para o realizador Andrew Ahn, que fez questão de dizer “se eu ficar com os anos 60, não podemos fazer o episódio só sobre Stonewall”. Não para menosprezar o que foi Stonewall, mas para transmitir que tantas outras revoltas aconteceram antes. Um dos maiores e mais bonitos privilégios desta série foi podermo-nos sentar com alguns dos membros mais velhos da comunidade que vivenciaram estes momentos. Uma delas foi Felicia “Flames” Elizondo, que faleceu no mês passado. Quão abençoados somos em ter esta série da qual ela fez parte. Como latinx e mulher trans, ela conseguiu dar voz, como a Christine disse, a alguns dos grupos marginalizados da comunidade queer que têm sido ignorados quando se fala sobre libertação LGBTQ.
Christine, de entre os seus vários créditos como produtora, produziu em 1995 o filme “Stonewall”. Volvidos 26 anos, diria que as coisas mudaram muito desde então, no que diz respeito a oportunidades para produzir histórias LGBTQ+? Sentiu alguma adversidade na altura que já não sente tanto hoje em dia?
Christine: Acho que é fundamental recordar que, quando eu produzia filmes nos anos 90, havia uma sensação de urgência nas histórias que queríamos contar. Estávamos no meio da pandemia da SIDA e sentíamos que, se não contarmos as nossas histórias agora, talvez nunca mais teremos oportunidade de o fazer. Eu sei que as pessoas tentam criar paralelismos entre a pandemia da SIDA e aquilo que estamos a passar neste momento — e há alguns — mas acho que as pessoas que não o experienciaram não compreendem o quão marginalizada a nossa comunidade se sentiu. Estávamos a morrer e o governo não queria saber. Por isso, fazíamos filmes com esta sensação de, vamos registar tudo em película e pronto. Não estamos a pedir permissão. Temos de nos encaixar custe o que custar. É assim, as coisas mudaram muito em 26 anos no que diz respeito a — e isto seria uma conversa muito mais longa do que o tempo que temos — a todas as formas diferentes de media a que temos acesso, e os diferentes tipos de media que estão agora à disposição de todo o tipo de pessoas. Ainda assim, continuo a achar que aquela sensação de reconhecimento quando alguém se vê representado no ecrã é algo incrível e crucial. Era crucial na altura e é crucial agora.