“The Green Knight”, de David Lowery: um filme sobre decisões, tentações e inseguranças
Foi a sessão de abertura da 15.ª edição do Motelx, talvez o festival de cinema que mais público move no nosso país. 7 dias de cinema de género para os amantes de terror no qual serão atribuídos dois prémios: o Méliès d’Argent para melhor longa de terror europeia, e o Méliès d’Or para a melhor curta de terror portuguesa. Uma edição que trouxe ao público, além das mais recentes ofertas de género a nível mundial com filmes que dificilmente estrearão no circuito comercial, um olhar sobre alguns filmes que marcaram o subgénero serial killer no feminino, documentários e sessões especiais. Após a apresentação da nova edição e de vários discursos, a sessão de abertura exibiu The Green Knight, de David Lowery, um dos filmes de género mais aguardados do ano.
Desde que realizou A Ghost Story, em 2017, e um ano depois o filme que pôs o ponto final na carreira de Robert Redford em The Old Man & The Gun, que David Lowery começou a ser visto como uma das promessas maiores do cinema norte americano. É com The Green Knight que Lowery atinge a independência de alto orçamento enquanto cineasta, com uma aparente carta branca para realizar esta adaptação de uma lenda arturiana acerca de um aspirante a cavaleiro que se vê desafiado pelo destino a confrontar um cavaleiro misterioso no dia de Natal.
The Green Knight assume a sua identidade enquanto filme fantástico, afastando-se da linguagem mais mundana que normalmente associamos ao género. Este é um longo épico subtil que está mais preocupado com símbolos, metáforas existencialistas e linguagem cinematográfica do que propriamente com ritmo, aventura, emoção e suspense. Tecnicamente é um portento, com uma fotografia sombria e naturalista, à Herzog ou Tarkovski, que consegue hipnotizar o espectador, deixando-o dormente perante o onirismo que desfila na tela de forma constante prometendo um climax que acaba por nunca chegar, deixando deliberadamente o espectador à espera de Godot.
Dev Patel, na pele do protagonista Gawain, é um pau de dois bicos tal como a sua personagem: se por um lado consegue transmitir o sentimento de insegurança perante a responsabilidade deste sobrinho do Rei Artur que “nunca fez nada da vida”, por outro lado não consegue ter o carisma necessário nos momentos de maior tensão em que o nosso improvável herói é testado, ou antes, tentado. The Green Knight é sobretudo um filme sobre decisões, tentações e inseguranças, uma reflexão psicológica sobre responsabilidade que tem tanto de medieval como de moderna. Se por um lado The Green Knight é um portento visual, por outro essa intenção estética acaba por anular outros elementos do filme, começando pelas próprias interpretações, não só de Patel, mas também de Alicia Vikander, Joel Edgerton ou Barry Keoghan, reduzidos a símbolos narrativos sem a confiança do seu realizador, mas sacrificando também a própria narrativa sem piedade.
Há muito para dissecar no filme de Lowery, como se de um quadro de Bosch se tratasse (terá sido esta uma das grandes inspirações para o realizador?), mas no final nada mais resta do que a sensação de que assistimos a algo de grandioso, ainda que não se saiba muito bem porquê. Para o compreender na totalidade The Green Knight precisaria de bem mais do que as suas 2h10m de duração, que na realidade parecem bem mais. Será que a sua estética e os seus símbolos são motivação suficiente para lhe dedicar mais horas?