Manoel, pelos Sensible Soccers
Outubro tem sido um mês promissor para novos lançamentos. Desta vez, chega-nos o álbum Manoel, dos Sensible Soccers. Após algum tempo de maturação, encontramos um disco que quase dispensa apresentações. O quarto longa-duração da banda foi gravado pela Arda Recorders e produzido pela banda e por João Brandão.
É absolutamente incrível esta capacidade de ver além dos ouvidos — e ouvir além dos olhos. Tudo isto para dizer que este é um trio que já nos habituou a transpor as imagens para o som e o som para a imagem. São sons que dançam entre si e se entrelaçam na memória detalhada de uma atmosfera sonhadora e cintilante.
Manoel é um álbum que resulta da criação de duas novas bandas sonoras para dois filmes de Manoel de Oliveira: “Douro, Faina Fluvial” (1931) e “O Pintor e a Cidade” (1956). É desta homenagem que surge o nome do disco e é a esta visão sobre as paisagens que a banda vai beber como fonte de inspiração. A essência do disco encontra-se no diálogo entre a memória e a(s) cidade(s), sendo deste íntimo que se parte para uma composição reminiscente com uma sonância cinematográfica.
Manoel de Oliveira era um realizador fascinado pela cidade que o viu nascer, o Porto, transmitindo esta afectividade nas suas imagens. Também neste disco que o elogia lá se regressa, com a melodia que se constrói para lá das próprias imagens. É na dicotomia entre os dois filmes que o cine-concerto nasce, ainda que o disco viva por si só, para além dos filmes.
“Este diálogo assume diferentes contornos ao longo do caminho: por vezes a música passeia no cinema, ao seu passo e no seu tempo, como vento pelas costas. Outras vezes invade-o, impondo uma nova leitura, qual vendaval hostil.”
Sensible Soccers
Este é um disco que embarca numa nova trajectória, expandindo-se não só nos instrumentos, mas também nas ideias, e deixa esta confabulação entre o ouvinte e a sua capacidade de explorar novas atmosferas cadentes. Estes 10 temas apresentam um novo caminho que vai para além dos belos sintetizadores, passando do jazz até ao dub, da música ambiente ao techno. Não deixa de ser curioso esta capacidade de exploração e de experimentalismo que se mantém sempre presente na sua música.
Para alguns temas, ao contrário do disco anterior, foram gravados instrumentos como a flauta transversal, o saxofone e até a guitarra, que marca a diferença. As composições vão oscilando, ora mais lentas, ora mais citadinas. Uma das músicas mais icónicas, a “Avenida Brasil”, é inspirada numa vertente mais urbana dos anos 50, com o seu ritmo de jazz bastante rápido. A “Bali Hai” é mais tropical, enquanto que a “Praia da Memória” é um dub misterioso. A “Cantiga da Ponte“, a primeira música do álbum, é aquela que acentua toda uma viagem à memória, com a sua melodia terna que faz lembrar saudades. Apesar de o álbum ter sido feito em plena pandemia, deixa-nos livres na imaginação e nas emoções.