A ‘estrondeira’ de IDLES na Super Bock Arena do Porto

por Lucas Brandão,    1 Março, 2024
A ‘estrondeira’ de IDLES na Super Bock Arena do Porto
Fotografia de João Padinha
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Para o fim deste mês de fevereiro, marcava-se um regresso de um grupo profundamente carismático que, embora não se declarando desse género, vem animando a cena do punk rock nos últimos dez anos. Falamos dos britânicos IDLES, que retomaram a estrada numa tournée de reconexão do grupo com o seu público (europeu) após uma ausência de música nova de três anos. É um caminho que remonta a firmes expressões daquele punk ligado à ficha da atualidade social, com temas verdadeiramente de interesse público, ao mesmo tempo que assume uma mensagem de luto individual e coletivo. Da cidade de Bristol, na costa da Inglaterra, já vieram “Brutalism” (2017, com uma edição de aniversário lançada cinco anos depois), o fulgurante “Joy as an Act of Resistance” (2018, com os cinco anos deste a serem, de igual modo, celebrados), “Ultra Mono” (2020) e “CRAWLER” (2021), o mesmo que trouxe a nomeação para o Grammy de Melhor Álbum de Rock.

Chegados a fevereiro de 2024, IDLES, assim, trazem “Tangk” — lê-se “tank” —, o seu quinto disco em estúdio, contando com os créditos de produção do DJ Kenny Beats (que também os tem em “CRAWLER”) e do já muito experiente Nigel Godrich. A toada, conforme estes nomes indicam, havia mudado para algo menos guerrilheiro e mais comemorativo, com uma música que chama mais ao amor e ao sorriso que à revolta e à ira. O primeiro single, “Dancer”, com a colaboração dos aclamados LCD Soundsystem, foi a primeira prova desse surpreendente alterar de rumo, com um cheirinho a indie rock; já “Grace” pegou num sample de “Yellow”, dos Coldplay, e desenvolveu uma composição que homenageia a banda e o videoclip da música, embora mantendo o timbre rasgado e desarmónico do costume, enquanto colocam Chris Martin a cantar a música com a tão visada inteligência artificial.

Fotografia de João Padinha

Contudo, é algo que muda quando se visita o álbum na sua totalidade, havendo uma gama mais ampla de influência, como Radiohead (“IDEA 01” ou “Jungle”), os próprios LCD Soundsystem (“POP POP POP” ou “Gratitude”), de novo os Coldplay (“A Gospel” ou “Monolith”) e um quanto das demais bandas do indie rock britânico em “Roy”. Aquelas que se mantêm mais ligadas à sua essência, embora com um teor mais exultante que revoltante, são “Gift Horse” — o terceiro single lançado — e “Hall & Oates”, vestígios do vulcão interior e dos rios de lava que dele fluem. São elementos que a discografia inicial trouxe e que foram sendo postos de lado com a evolução do grupo, enquanto a função catártica vai sendo mais manifesta. Desta maneira, é uma saída da zona de (des)conforto, em que se estranha que os decibéis não estejam assim tão elevados, mesmo que a transmitir esta nova dimensão mais de gratidão e de beatitude; assim como se estranha a capacidade do grupo manter a serenidade e de se reinventar do seu pós-punk para algo muito menos fácil de definir.

Depois de algumas passagens por Portugal, entre eles no Hard Club, neste regresso, o grupo precisava de palcos maiores e assim os teve. É disso exemplo o Pavilhão Rosa Mota, convertido na Super Bock Arena, que talvez merecesse dia e hora mais confortáveis para o público em geral. Um público que, a meio da semana, sai apressadamente do seu trabalho com pouco tempo para jantar e ainda se predispõe a uma terapia de choque anti-stress que é um concerto de IDLES merece tudo e mais alguma coisa, por mais que os adore. Mas muito também se justifica por ser o único concerto do grupo em Portugal nesta passagem que nem marca um ano depois da última, após a presença arrebatadora e bastante badalada no passado NOS Alive. Nada melhor que um raríssimo 29 de fevereiro para um evento tão especial.

Fotografia de João Padinha

Neste ponto inaugural da tournée europeia da banda, as hostilidades foram inauguradas pelos DITZ, seus vizinhos de Brighton, com um registo musical também na linha do punk, embora com menos presença gutural. Chegados pouco antes das oito, à cabeça, o desdobramento do álbum “The Great Regression”, de 2022, e uma amostra daquilo que viríamos a ter uma hora depois. Embora mais progressivo e menos estridente, muito sustentado numa lógica rítmica coesa e apurada, o grupo inglês trouxe elementos do punk no modo como interagiu com o público, como incentivou os amassos mosh do costume e como se mandou para o público e navegou por entre as suas cabeças no crowdsurfing. Musicalmente, as diferenças far-se-iam sentir, mas a audiência gostou e aclamou este concerto de entrada, pese embora a Super Bock Arena ainda se estar a compor.

Já com o prato principal à mesa, o vocalista Joe Talbot fez-se acompanhar pelo seu núcleo duro, a saber o baixista Adam Devonshire, o guitarrista e teclista Mark Bowen, o também guitarrista Lee Kiernan e o baterista Jon Beavis. Os homens de Bristol, imbuídos do espírito de freudenfreude (a alegria sentida pela alegria dos outros, contrastando com a ideia de schadenfreude), até começaram devagar, com “IDEA 01” no ouvido. Porém, o que se seguiria, à exceção de “Gospel”, foi pura e verdadeiramente, à boa maneira do Porto, uma “estrondeira”. O Pavilhão Rosa Mota estava a rebentar pelas costuras — à exceção de um segmento de círculo da plateia em pé — e correspondeu na totalidade às expectativas daquele que se avizinha, talvez, como um dos concertos em nome próprio do ano. Mesmo aqueles que dispunham de lugar sentado para, de forma confortável, poderem assistir, foi difícil estar colado à cadeira e não vibrar com o que estaria para vir.

Fotografia de João Padinha

Para quem viu os alinhamentos dos gigs da banda em Inglaterra, pensaria que o concerto seria breve, fixando-se nos sessenta minutos e pouco indo para lá disso. Puro engano. As duas horas de espetáculo de IDLES mostraram a vivacidade e a empatia do grupo e do seu pós-punk em Portugal, em que, mesmo com a apresentação completa de “Tangk”, houve espaço para vivenciarmos os grandes momentos da sua carreira discográfica. “Danny Nedelko” (ou “Free Palestiiiiiiiiine”), “Never Fight a Man with a Perm”, “Mother”, “I’m Scum”, “Car Crash”, “Television”, “Divide and Conquer” e a derradeira “Rottweiler” estiveram lá todas e fundiram-se em pleno com o alinhamento de um disco que gerava alguma curiosidade em ver como resultaria ao vivo. Grande parte dos que lá estavam conheciam as faixas que fizeram de IDLES ser IDLES e elevaram cada uma delas a interpretações monumentais e carregadas de vida(s).

Mesmo com a monotonia das canções destacadas de “Tangk”, é incontornável reforçar a capacidade mobilizadora e estrondosa das novas “Gift Horse”, “Grace”, “Hall & Oates”, “Gratitude” e, claro está, “Dancer”. Talbot interagiu em força com o público, acenando com regularidade com um “olá” e agradecendo em português de Portugal. A outra frase que soube soltar em português foi “Viva Palestina”, uma tradução manhosa de “Free Palestine” que foi referindo com regularidade. A irreverência de Mark Bowen — “CEASE FIRE NOW!”, gritou, em certa altura, com veemência — levou-o ao crowdsurfing por mais de uma ocasião, enquanto Talbot falava da importância da conectividade e do perigo que é a solidão. Enquadrou esta ideia na necessidade de lutar pela sociedade contra o poder do conservadorismo tory e da própria figura do Rei Carlos VI — “Fuck The King”, fez-nos cantar, arremessar t-shirts para o ar e dançar como se não houvesse amanhã.

Foi assim que o Porto acolheu o arranque da tournée europeia “LOVE IS THE FING”, onde IDLES falam do poder do amor e da “GRATITUDE”, que dedicou a todos e, em especial, aos oprimidos pela(s) guerra(s). O amor por quem já partiu, física e emocionalmente, é o mesmo que ficou na despedida da banda, que seguiu para Madrid e, daí, para o resto da Europa, embora com reencontro marcado já para Paredes de Coura. O que é certo é que Talbot e companhia adoraram que a cidade do Porto — e a própria cidade e o país também — fosse a primeira de uma expedição que marca um novo capítulo na vida do grupo. Um capítulo de alegria, de folia, de comprometimento com o melhor que há na vida e na humanidade. Tudo isto sem machucar a identidade estridente e socialmente consciente, à boa maneira do melhor punk que tantos fãs tem em Portugal. A “estrondeira” de IDLES foi real e concretizou-se com toda a alma e entrega de quem tocou e de quem ouviu. Dizem que é disto que é feito o amor.

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