Alex G, o ‘Rocket’ criativo da geração bandcamp
Tem vinte e quatro anos, mora na Filadélfia, e encabeça – juntamente com Will Toledo / Car Seat Headrest – o movimento de músicos que ao longo da sua primeira juventude lançaram experiências no bandcamp, até serem catapultados por uma editora alternativa de renome. (Sandy) Alex G, multi-instrumentista e génio criativo, constitui um sério caso de estudo. ‘Rocket‘, repleto de canções que se expressam em diferentes linguagens musicais, é uma montra de diversidade, ao aventura-se por caminhos que a discografia do artista ainda não percorrera.
Alexander Giannascoli, que recentemente teve de acrescentar ao seu nome artístico uma antiga alcunha entre parênteses – (Sandy) – por uma disputa desequilibrada com uma superestrela do youtube com o mesmo nome – nasceu para o conhecimento público mais generalizado quase quatro anos depois de ter iniciado a sua carreira discográfica. Defende a fiel comunidade de ouvintes que foi angariando ao longo dos anos que os primeiros álbuns de Alex G revelam um génio raro. Podemos confirmá-lo a partir de ‘DSU’ (2014), passando por ‘Beach Music’ (2015), e agora, ‘Rocket’; trabalhos coesos e de elevada qualidade, constantemente a esgravatar a criatividade à procura de novos caminhos.
As canções de Alex G são frequentemente composições que partem de ideias simples, sem nunca caírem em lugares comuns. Mesmo as músicas que mais facilmente entram no ouvido, como o primeiro single deste mais recente álbum – “Bobby” – ou a segunda faixa – “Proud”, são propostas com apontamentos fora da caixa: nota para o final desta última, no crescendo espacial que satisfaz tanto quanto deixa a desejar, após as palavras “If I fuck up…”. É um mero exemplo dos universos que o músico faz antever, deixando muitas das vezes apenas a sugestão no ar – um to be continued, a desenvolver num próximo projecto.
Talvez duas das marcas da carreira de Sandy Alex G sejam a concentração de criatividade e a síntese na performance. Músicas guiadas por acordes ora simples ora complexos, via ritmos e modulações tonais várias. No limiar do sonho, como em ‘Alina’; na simplicidade emotiva e sincera de ‘Proud’; ou mesmo na deambulação jazzy de ‘Guilty’, que traz um saxofone ainda a tempo de encerrar o álbum. Assistimos a uma comunhão interessante e equilibrada entre as guitarras, teclados e baixo.’County’ dá conta dessa dinâmica entre os diversos instrumentos, que frequentemente dão espaço uns aos outros para se expressarem: entre os pianos que trazem personalidade, ou a guitarra que parece contar uma história por si só. ‘Powerful Man’, uma das canções mais fortes do álbum, encontra lugar para a expressão nesses momentos de confiança entre os músicos, num término que roça uma cacofonia contida, expressão da emoção que pretende convocar.
A voz de Alex G bastaria, interessante e emotiva à sua maneira. Mas o álbum conta com uma voz feminina, que vem dar apoio proeminente numa série de faixas. Em ‘Proud’ ouvimo-la ao longe; em ‘Bobby’, Alex G partilha com Emily Yacina o papel de voz principal. A harmonia, indissociável da performance vocal da canção, torna-se absolutamente essencial para a identidade daquela. Também os violinos são uma presença regular ao longo de ‘Rocket’, adicionando uma atmosfera folk quase irlandesa, invocando e desconstruindo todo um imaginário.
Há mais para além da leveza apaixonada dos momentos mais adocicados do álbum. ‘Witch’, o single lançado no mesmo dia que ‘Bobby’, revela outra das facetas de Alex G: mais psicadélico, menos óbvio. Nesta os violinos surgem violentos, desconfiados, numa vereda assombrada que conduz à conformada conclusão: “No matter what you do the whitch burns you“. Também não temos de esperar muito pelo momento mais explosivo e violento da carreira do músico até à data: “Brick”, noise-rock puro e sem travões. É o patinho feio no meio do álbum, mas o álbum seria mais pobre sem ele.
De imediato passamos para ‘Sportstar’. A canção apresenta-se quase como uma assumida sequela de ‘Nikes’, de Frank Ocean. Alex G faz mesmo questão de referenciar o nome da marca desportiva, e de aplicar autotune à sua voz. Não é uma relação que surja descontextualizada: ‘Endless‘, o álbum de Frank Ocean editado no último ano, que acabou por ficar meio oculto e esquecido pelo lançamento de ‘Blonde‘, conta com uma série de contribuições da guitarra de Sandy, a convite (inesperado) do próprio Ocean. Embora não se conheçam muitos pormenores acerca dessa colaboração, Alex G parece deixar explícita, nesta canção, que a admiração pela carreira musical de um dos artistas actualmente mais influentes no mundo é mútua. É um bonito tributo, num dos momentos mais melódicos e intensos de ‘Rocket’.
Em termos líricos, ‘Rocket’ segue a linha com que Alex G nos vinha a presentear. Um vasto leque de personagens: não se limitam a Bobby, a Alina e a Davey, de quem passamos a conhecer os nomes; canta ainda a história do rapaz preso que engoliu uma lâmina, a do stalker da superestrela desportiva, ou as próprias personas de Alex G quando este canta na primeira pessoa. Reflectindo sobre temas como a mentira, a culpa, o desejo e a procura de sentidos e formas de viver, as letras do álbum conduzem-nos por janelas narrativas fracturadas, expressas sob sonoridades diversas e adequadas. Talvez seja um exagero dizê-lo, mas ‘Powerful Man’ não está totalmente distante do imaginário de Sun Kil Moon, na estrutura interna da canção, que cruza três histórias dispersas, e conclui com uma dúvida ‘I couldn’t tell you / What it means to me‘. Nós próprios também não seríamos capazes de perceber o que Alex G nos quer exactamente transmitir com as palavras que entoa em ‘Rocket’, mas percebemos que sente, e isso é mais que suficiente.
O ano guardará o mais recente de trabalho de (Sandy) Alex G como um álbum criativo e importante; que sem deixar de ser acessível, é janela do génio criativo e imprevisível do jovem americano. Estamos em crer que ainda temos muito a ganhar com a longa carreira que tem por desenhar.