O triste estado das nossas áreas protegidas em Portugal
Portugal, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, com montanhas e vista para o mar, no canto mais bonito da Península Ibérica, podia ser um dos países mais ricos em vida selvagem da Europa. Mas a realidade é diferente e avassaladora… O nosso património natural e as nossas áreas protegidas estão ao abandono, esquecidas e degradadas. São como uma obra-prima a precisar desesperadamente de restauro.
Hoje, não existe uma diferença clara entre a paisagem que está dentro ou fora de uma zona protegida. O que muitas vezes anuncia o limite de uma zona classificada são os painéis degradados, semidestruídos e queimados pelo sol a dar as boas-vindas. As áreas protegidas portuguesas enfrentam várias ameaças: a pressão urbanística na Serra de Sintra, Estuário do Tejo, Costa Vicentina ou Ria Formosa; o turismo de massas no Gerês, Serra da Estrela, Costa da Caparica ou Estuário do Sado; pedreiras, na Serra de Aire e Candeeiros ou na Serra Arrábida; barragens no Douro ou Tejo Internacional; e ainda os flagelos das espécies invasoras e dos incêndios que são comuns de Norte a Sul do país. Numa clara prova da decadência dos seus valores naturais, são vários os parques em que o símbolo está extinto… Na Malcata o belo lince ibérico, nas Berlengas o pequeno airo (uma ave marinha) e, na Serra de São Mamede, a majestosa águia perdigueira (também conhecida como águia de Bonelli) há muito que desapareceu.
A Rede Natura 2000 em Portugal é um clássico exemplo de uma zona protegida nestas condições (“parque no papel”), como demostra a recente condenação do Tribunal Europeu ao Estado Português. Barragens, eólicas, minas, plantações de exóticas e agricultura intensiva, tudo pode ser encontrado dentro de zonas classificadas. O caso das barragens no Sabor depois de ser declarada uma zona classificada, a degradação da Malcata, com duas barragens com transvase, plantações de exóticas e parque eólico concretizado depois de ser declarada reserva natural, a intensificação agrícola na zona de Castro Verde, a nova moda dos passadiços em cada canto é o último ataque às zonas sossegadas para a vida selvagem, o lítio a última ameaça à integridade das zonas protegidas e por último todo o território nacional é por defeito zona de caça, menos as zonas limites a zonas urbanas.
Este é o estado de coisas do chamado “Sistema Nacional de Áreas Classificadas”, que inclui a Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP), as áreas classificadas que integram a Rede Natura 2000 e outras áreas ao abrigo de acordos internacionais como sítios Ramsar, zonas húmidas protegidas. Paisagens simplificadas, “humanizadas” com agricultura e infraestruturas, onde a diversidade e a abundância deu lugar à monotonia e à escassez.
São três os principais problemas que previnem o restauro das nossas áreas protegidas. Primeiro, o nível de consciencialização para o péssimo estado das áreas protegidas pela sociedade em geral é reduzido e, como reflexo e consequência, a atenção dada pelos meios de comunicação a esta temática também o é. Segundo, a falta de visão dos titulares de cargos políticos, conjuntamente com os novos planos de gestão da paisagem que referem o objetivo de promover “paisagens humanizadas”, mas que na prática se consubstancia em subsidiar a expansão/manutenção agrícola em zonas marginais, ao invés de as restaurar e devolver à natureza. Esta preferência por “paisagens humanizadas” em detrimento de paisagens selvagens é uma estratégia do século XX para resolver problemas do século XXI, não funciona. Quando os subsídios agrícolas em zonas protegidas são uma das maiores ameaças à conservação da natureza, a resposta tem deve estar em limitar ou excluir e não em promover. Terceiro, as instituições são fracas e não têm capacidade de resposta. O ICNF está mal estruturado e como consequência disso mesmo, a monitorização de espécies é fraca. Espécies chave como o lobo ibérico têm direito a uma a cada 20 anos, os peixes tiveram direito a um guia pela primeira vez este ano, e o Livro Vermelho de Plantas Ameaçadas foi atualizado há dois anos. Não há presença das instituições nas áreas protegidas, não existir cargo de diretor é um caso com quase inédito na Europa, os vigilantes da natureza têm mil e uma funções para as quais não estão preparados nem com tempo para responder, incluindo a fiscalização de animais de companhia. A fiscalização é quase inexistente e o crime ambiental não é visto com seriedade. Por último, a cogestão das áreas classificadas por municípios é o passar de responsabilidades do Estado para os municípios, que muitas vezes não tem capacidade, visão ou meios para essas funções.
Com melhores estruturas e vontade política, seriam possíveis algumas medidas de conservação ambiciosas como: completar cadeias tróficas, reintroduzindo espécies localmente extintas como o castor, a cabra montês, a camurça, a águia rabalva, o esturjão ou a foca comum e reforçando espécies com números baixos ou distribuição localizada como o veado, o corço, a águia pesqueira, a foca monge ou o salmão; criar e manter corredores entre as áreas protegidas para garantir o fluxo genético de espécies e a expansão de animais para novas áreas, criando passagens de vida selvagem através de infraestruturas localizadas em autoestradas ou ferrovias ou eliminando barreiras obsoletas nos rios e ribeiras; e, por fim, expandir as áreas core para a vida selvagem adquirindo terrenos privados, alugando baldios e aproveitando as propriedades do Banco de Terras. Estas são algumas maneiras para aumentar a área dedicada à conservação da natureza no nosso país e para adotar melhores práticas na gestão do território e do seu património natural.
Enquanto as áreas protegidas estiverem esquecidas e ao abandono, todos os discursos em nome da proteção do ambiente serão sempre apenas frases vazias (16). A Década de Restauro de Ecossistemas da ONU ou a Estratégia de Biodiversidade da União Europeia 2030 alertam para a necessidade de restaurar a natureza como chave para fazer face aos desafios gêmeos da perda de biodiversidade e das alterações climáticas.
Vamos aproveitar a oportunidade? Áreas protegidas com paisagens ricas, diversas a fervilhar de vida ou áreas protegidas degradadas, simplificadas e estéreis? É uma escolha.
Crónica escrita por Daniel Veríssimo.
O Daniel é economista apaixonado pela natureza. Leitor de artigos e escritor nas horas vagas. Membro da rede internacional Rethinking Economics.