Bon Iver: 10 anos de ‘For Emma, Forever Ago’
No final de 2006, depois de uma relação amorosa falhada, de uma banda desfeita (DeYarmond Edison [os nomes do meio de Justin Vernon]) e do regresso a Wisconsin natal, Justin Vernon, a recuperar de uma mononucleose que lhe afecta o fígado, refugia-se na casa de caça do pai durante três meses, culminando na transição do rigoroso Inverno de Wisconsin para o degelo primaveril. É aqui que nasce Bon Iver (do francês “Bon Hiver”) e é aqui que é criado o primeiro álbum, For Emma, Forever Ago, lançado há precisamente 10 anos.
“Flume”, a primeira música de For Emma, Forever Ago marca o regresso a casa, ao falsetto, que havia descoberto no EP Hazelton, e à suficiência revelada em «I am my mother’s only one/ It’s enough». “Flume” é calma, é o porto seguro onde se ganham forças e renasce. Na 1.ª edição do festival Eaux Claires, que marcou o regresso de Bon Iver aos palcos, Justin Vernon assume que esta é, de certa forma, a primeira música que escreveu. É, sem dúvida alguma, o início perfeito de For Emma, Forever Ago.
As canções que se seguem hão-de marcar a catarse e a hibernação («we will see when it gets warm» em “Lump Sum”), o fim do amor e o vazio que se segue («Cut out all the ropes and let me fall» em “Skinny Love”), a dor e o desespero («For the agony/ I’d rather know» de “Blindsided”), mas é em “For Emma”, a penúltima música do álbum, que este conjunto de emoções e experiências de vida culmina. “Emma” é, de acordo com JV, um local, o sítio a que se volta, o local de esperança («I saw death on a sunny snow») e o início da Primavera de Wisconsin. É o princípio do fim, a recta final para os 37 minutos de For Emma, Forever Ago, que culmina com “Re:Stacks”.
«This is my excavation and today is kumran» é o primeiro verso de “Re:Stacks”. Qumran foi o local na Cisjordânia onde foram encontrados, em 1947, os Manuscritos do Mar Morto e que desde logo suscitaram o interesse da comunidade científica. A descoberta destes manuscritos mudou para sempre a história do Cristianismo (Justin Vernon estudou Teologia na Universidade de Wisconsin – Eau Claire), e em “Re:Stacks” serve de metáfora para a metamorfose sofrida na escrita de For Emma, e em como a vida continua com a perfeita aceitação do passado. O final assume um reinício, sem pretensões, sem amarguras, com um amor que terminou, mas que permanecerá, para sempre, parte de cada um, com «This is not the sound of a new man (…) It’s the sound of the unlocking and the lift away/ Your love will be/ Safe with me». Uma das melhores definições de “Re:Stacks” foi-nos dada no Coliseu do Porto a 25 de julho de 2012 «As far as history goes, we all have our own history line, I think that sometimes, when a bunch of things happen to you, you might think that your history line is sort of premeditated or destined to do this one thing, and that one thing might feel like it is trapping you down, might not be an exciting line all the time, but you can make some certain decisions and certain things happen that if you allow them to happen and you notice them happening, they can change the course of your history. And when that is for the better, is a sacred thing.»
Depois de três meses de reclusão, e depois de se aperceber que o conjunto de músicas que havia criado podia formar um álbum, For Emma, Forever Ago é lançado, numa edição de autor limitada de 500 CDs, que esgota em menos de nada (a própria mãe de Justin Vernon fez o envio dos CDs). No início de 2008, For Emma é lançado ao mundo, pela mão da JagJagwar/4AD, com uma surpreendente recepção da crítica.
Dez anos depois e dois álbuns (Bon Iver, Bon Iver [vence 2 Grammys] e 22, A Million) e um EP (Blood Bank), Justin Vernon tem sido presença obrigatória na história moderna da música independente. Entretanto relança também a banda The Shouting Matches, com Phil Cook, lança dois álbuns com os Volcano Choir, e reúne novamente os DeYarmond Edison. Com colaborações frequentes com Kanye West ou James Blake, trabalha diariamente com músicos no seu estúdio April Base, na antiga piscina de uma casa que compra em Fall Creek, a alguns quilómetros de Eau Claire. É também nesta cidade que organiza anualmente, juntamente com Aaron Dessner dos National, o festival Eaux Claires, no qual se apresentou depois de um longo hiato na carreira dos Bon Iver e, no ano seguinte, onde apresentou 22, A Million, o álbum de 2016 que, devido a uma série de dúvidas pessoais, quase não viu a luz do dia. Eau Claire, WI, o local onde Justin Vernon volta sempre, a presença indelével em toda a obra de Bon Iver. For Emma, Forever Ago.