“The Lost Daughter”, de Maggie Gyllenhaal: retrato sem tabus de uma mãe imperfeita
“The Lost Daughter” foi exibido na 15ª edição do LEFFEST e estreou dia 3 de Fevereiro nos cinemas portugueses.
O ano de 2021 tem sido propício à temática da maternidade. A francesa Mia Hansen-Love mostrou-nos em “Bergman Island” uma viagem à Suécia que inadvertidamente se torna numa reflexão da protagonista sobre o seu papel como artista, como esposa, como mãe e como mulher. Em “The Worst Person in the World”, o norueguês Joachim Trier conta-nos a história de Julie, uma jovem a aproximar-se dos 30 anos e a debater-se — entre muitas outras questões — com a expectativa e a pressão em trazer ao mundo uma criança. Também por terras lusitanas se explorou o assunto, com “Sombra” de Bruno Gascon a ilustrar uma mãe-coragem em busca do filho desaparecido.
Eis que chega Maggie Gyllenhaal com o seu contributo para a discussão. A atriz, de filmes como “Mona Lisa Smile” (2003), “The Dark Knight” (2008) e “Crazy Heart” (2009), fará 30 anos de carreira em 2022. Foi talvez esta maturidade que a convenceu a estrear-se na realização. E que estreia! Gyllenhaal assina também o argumento, uma adaptação de “La figlia oscura”, romance de Elena Ferrante sobre uma mãe de duas filhas. A escolha foi por certo muito pessoal: Gyllenhaal é também ela mãe de duas filhas.
O filme acompanha uma professora universitária, Leda Caruso (Olivia Colman), que partilha o nome com a rainha de Esparta que foi iludida e violada por Zeus sob a forma de cisne. Leda, dona de si mesma, vai sozinha de férias para a ilha grega de Spetses. Um dia conhece Nina (Dakota Johnson), uma jovem mãe à beira de um ataque de nervos, o que imediatamente faz ecoar em Leda os seus tempos atribulados como jovem mãe (Jessie Buckley). “The Lost Daughter” começa como um drama, mas a família de Nina, um clã duvidoso e progressivamente ameaçador, aproxima-nos do thriller.
A fotografia granulada de Hélène Louvart é na sua maioria composta por grandes planos do elenco, encimado por Colman, Buckley e Johnson. O casting de Johnson é particularmente curioso num filme sobre mães e filhas, sendo ela filha da aclamada atriz dos anos 80 Melanie Griffith — que por sua vez é filha de Tippi Hedren, a icónica Hitchcock blonde de “The Birds”.
Ao longo do filme, as férias à beira-mar de Leda vão se tornar, contra a sua vontade, num duro confronto com o passado. Um passado marcado pela sua dedicação à carreira em detrimento da família. Acertadamente, Gyllenhaal nunca elogia nem censura Leda. A história que deseja contar não é uma aferição se Leda é ou não uma boa mãe. O seu filme é sim sobre a impossibilidade da figura da “mãe perfeita”. Um retrato incomum das emoções contraditórias que muitas mães sentem e ocultam. Um filme estimulante sobre o conceito de maternidade.