Virgil Abloh, o percurso de um criativo marcante desta geração
O recente 28 de Novembro deixou o mundo da moda e do design em choque. A família de Virgil Abloh anunciava através do Instagram do próprio que este acabava de falecer vítima de um cancro que manteve em segredo durante quase 2 anos. Sofreu em silêncio com a enorme privacidade que o caracterizava e com apenas 41 anos, ninguém esperava por um desfecho trágico como este. Era casado e deixou 2 filhos. Virgil não era o típico designer de moda, era um criativo que cuja principal atividade era a moda. Aliás, ele nunca teve formação nem em moda, nem em design. Era também DJ, arquiteto, empresário… nunca parava quieto, era completamente viciado em trabalho, ao ponto de dizer: “o meu iPhone é o meu escritório”.
Virgil nasceu em 1980 em Rockford, em Illinois perto de Chicago. Os seus pais eram emigrantes ganeses. A mãe era costureira, o pai gerente de uma empresa de pintura. O jovem Virgil cresceu na era dos 90s, muito influenciado pelo ambiente que viveu no meio de skates, graffitis, hip hop, basketball, Michael Jordan (ainda por cima em Chicago – Jordan é a maior lenda do Chicago Bulls), a música dos Nirvana…. Olhando para a sua obra artística enquanto designer é fácil de ver a ligação entre todos estes elementos e as suas criações. Diz que a música e a moda estavam muito interligadas, sobretudo no âmbito daquilo que é representar um movimento social e exprimir aquilo que nós seres humanos vivos andamos a sentir de forma coletiva e individual. Os seus designs foram muito influenciados pelo mundo do hip hop e do rap.
Algo que sempre gerou curiosidade e espanto foi o facto de Virgil Abloh não ter estudado nem moda, nem design ou similares. Na realidade, ele frequentou a Universidade de Wisconsin em Madison para estudar Engenharia Civil. Apesar de pouco satisfeito, Virgil acabou o curso. No entanto, decidiu voltar a estudar, desta vez Arquitetura. Se a vertente de engenharia lhe ajudou a estruturar a mente e a perceber como se constroem as coisas, foi na Arquitetura que encontrou o amor pelo design. Quem trabalhou com Virgil descreve que ele tinha sempre uma grande capacidade de “arquitetar” ideias, designs. Ainda na Universidade, ele gostava de visitar Nova Iorque para comprar roupa em certas lojas locais com roupa diferente, difícil de encontrar. Já desde tenra idade, junto com amigos, enviava sapatilhas editadas à Nike, mas sem resposta. Era também DJ em festas caseiras, uma paixão que levou até ao fim da sua carreira. Começou a trabalhar na sua primeira marca chamada Fort Home, onde já se viam alguns traços daquela que viria a ser a sua grande marca (magnun opus): Off-white. No entanto, o sucesso da Fort Home nunca foi para além do seu círculo de amigos. Um dia foi a uma loja de estampagem para que lhe imprimissem um desenho seu numa t-shirt. A empresa ficou tão fascinada com o cuidado do desenho e de como o resultado final era tão fascinante, que decidiu oferecer-lhe trabalho. Virgil trabalhou ali durante uns tempos, fazendo desenhos em t-shirts (ele foi sempre apaixonado por t-shirts). Um amigo de Kanye West reparou no talento dele e apresentou-o a Kanye. Ficaram amigos. Depois da universidade, Virgil e Kanye trabalharam juntos em diferentes projetos. Ao poder explorar o networking de Kanye, acabou por conhecer outra pessoa fundamental no seu trajeto, o famoso designer de moda inglês Kim Jones. Virgil admirava também como Kim explorava o espaço entre luxo e streetwear. Virgil passou um verão inteiro com Kanye a aprender tudo sobre a indústria.
Em 2009, Virgil e Kanye ofereceram-se como estagiários para trabalharem na marca de luxo italiana Fendi. Funções que executaram igual aos outros, ganhando 500 euros ao mês, levando cafés aos mais seniores e aprendendo de toda a gente. Eles acabariam por chamar à atenção de Michael Burkle que era CEO da Fendi, pela capacidade de serem disruptivos no bom sentido. Trouxeram uma nova onda para o escritório criativo. Michael mais tarde acabaria por se tronar CEO da Louis Vuitton, sem nunca deixar de seguir os passos de Virgil na moda…
Ainda nesse mesmo ano, lança uma loja chamada RSVP onde começava a explorar os seus conceitos. Em 2012, leva uma marca ao mercado chamada PYREX Vision, com a qual estampava o logo da PIREX em roupa de outras marcas: Champion e Ralph Lauren, da qual comprava a baixos preços e depois de alteradas com o símbolo da PYREX, vendia a altos preços. Entretanto decidiu parar com a PIREX, que apesar de ele ter dito que era apenas uma experiência, diz-se também que teve pressão destas marcas para que parasse com estas montagens. O designer teve sempre tendência a alterar produtos de outras marcas o que o levou por vezes a ter problemas com direitos de autor.
A coleção de outono inverno 2012 da Balenciaga inspirou-o por ligar o luxo à rua. E foi mesmo no ano de 2012 que Virgil viria a lançar a famosa Off-white, que nasceu da inspiração de todo o resto da sua vida: a sua experiência no luxo em Fendi, a sua juventude dos anos 90s com todos os elementos antes mencionados e as suas experiências prévias como a PYREX. Uma nova marca que nascia entre o luxo e o streetwear, tentando explorar o espaço que existe entre esses dois mundos. A Off-white define isso como sua missão: definir a área cinzenta que existe entre o branco e o preto como cor off-white. Começou por expandir a marca com amigos do Kanye West que iam usando as roupas Off-white nas redes sociais. A primeira coleção era uma clara evolução da PYREX.
Em 2015, Kanye lança Donda uma agência onde Virgil acaba como diretor criativo. No mesmo ano, foi nomeado para o prémio de jovem designer da LVMH (Grupo da Louis Vuitton) acompanhado de nomes como Jaquemus, Vetements e da portuguesa Marques’Almeida (os vencedores do prémio!).
O sucesso do seu estilo na Off-white beneficiou de 3 grandes fatores: o crescimento do luxo junto dos jovens que procuravam uma marca de luxo com a cual se identificassem mais, já que muitas marcas de luxo mantinham um design muito tradicional e mais apelativo a pessoas de uma faixa etária mais avançada, que Virgil ajudou a romper; o aumento do poder de compra do milenares e o crescimento do hip hop, rap e do streetwear como moda associada a este estilo de música. Tudo isto resultou numa grande combinação entre a experiência pessoal de Abloh e do movimento social que se estava a gerar. O seu estilo é marcado pelo preto e branco, as famosas frases com aspas em jeito de citação, no sentido irónico que visava brincar com normas sociais (exemplos: escrever “para andar” numas botas, “dinheiro” numa carteira) quase que a ler o nosso subconsciente e roupa um pouco larga.
A colaboração com a Nike foi fundamental. A grande marca norte americana pediu-lhe que redesenhasse 10 das suas sapatilhas mais icónicas, “The Ten”. E o mesmo com Conversa, marca que pertence à Nike. Virgil aceitou com a condição de que só iria editar um 3% da sapatilha (esta regra do 3% viria a ser dos seus principais princípios enquanto criador). O resultado foi incrível com enorme sucesso comercial. Este ficou como um dos seus trabalhos mais icónicos. Editou sapatilhas que a Nike fez inspiradas em Michael Jordan, outra das suas influências da juventude.
Em 2018, o seu amigo Kim Jones deixou a Louis Vuitton como diretor criativo da coleção de Homem da Louis Vuitton. A grande casa de luxo francesa procurava alguém que pudesse levar a marca à próxima geração mais próxima de streetwear. Michael Burkle, o então CEO (que já tinha sido CEO da Fendi quando Virgil era estagiário ali) não teve dúvidas em ir finalmente buscar Virgil Abloh para o grande cargo. A sua primeira coleção em 2019 foi um momento marcante na moda dos últimos anos, já que o designer deu uma nova cara à marca. O publico teve uma reação incrível. Virgil é humilde e teve uma reação muito natural de espanto. Acabou o desfile abraçado a Kanye, enquanto chorava no seu ombro.
O sucesso da Louis Vuitton e da Off-white não abrandaram. E este ano, a LVMH (grupo da Louis Vuitton) viria mesmo a comprar 60% da Off-white, o que representava não só uma forte oposta na marca, mas também em Virgil, um dos maiores talentos da moda que o grupo queria manter na sua família como grande ativo. Infelizmente dita colaboração irá ter que continuar sem ele. Não será certamente fácil substituir o talentoso Abloh. Outra colaboração recente que fica inacabada era com a grande marca automóvel alemã, Mercedes.
Estamos perante um percurso diferente dos designers de moda que foi muito mais do que isso. Foi o primeiro afroamericano a chegar ao topo do luxo francês. A sua influência é tão grande que todas as grandes marcas, incluindo fortes rivais das suas marcas, prestaram homenagem nas redes sociais. Imensas figuras publicas prestaram homenagem realçando o talento e sobretudo a pessoa simpática e carinhosa que era na intimidade. As suas ideias continuarão a marcas os próximos anos.
Deixa um grande vazio, também porque ninguém tem dúvidas que ele ainda tinha muito para dar, como por exemplo explorar a moda no mundo digital (metaverso). Virgil Abloh foi um designer genial que ajudou uma geração a encontrar e expressar a sua identidade.