Poema “Capital”, de Alice Neto de Sousa
Alice Neto de Sousa tem 28 anos, nasceu na antiga freguesia lisboeta de São Sebastião da Pedreira, é licenciada e mestre em Reabilitação Psicomotora e poeta.
O poema “Capital” é dedicado às prostitutas do metro do Martim Moniz. O poema foi lançado na passa quarta-feira, 23 de Fevereiro, na Rádio Comercial e como habitual no Programa “Bem-Vindos na RTP África“, parte dele também foi revelado no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas” do Expresso. Aqui fica o poema completo:
Às prostitutas do metro do Martim Moniz
Capital
Amachucada, enforcada pelo caule,
Gotejada em suspiros,
Perguntas, quanto vale?
O líquido que corre pelos seios
Que amamenta a noite
Quanto vale?
A ilusão de que nada é
E tudo é o nada que é dado,
Como lidas? Com seres o saco vazio,
Em pé, do qual te deixas voar, encher, domesticar?
Quanto custa? Porque tem que custar.
O castelo onde te escondes,
O alto, dos fossos dos montes,
Das colinas,
Das ervas daninhas, das espinhas,
Dos peitos cortados no prato, das linhas,
Dos traçados, marcados,
No pulso, no berço dos lábios,
Quanto fica?
O vazio dos desejos adivinhados,
Que se abortam nos corpos jejuados?
Quanto pesa? O metro que te agarra,
Te arrasta e te leva à capital dos sete pecados?
A doença do mundo,
Alojada no céu da boca,
Da tua boca,
Os dentes, avulso,
Perdidos nas cavidades
Do dia anterior,
Fixos no olhar sacudido
Na alameda dos nós,
No hálito dos perigos,
Apartados entre o andar e o molar,
Entre o abrir e o fechar,
Entre o oco e o quente,
Nas esquinas,
No vai e vem
No vem e vai
À espera do mundo para emprenhar,
Esse corpo teu, doente.
Cheiro bem?
As axilas, abertas
Num punho elevado
Num rabo em cavalo
Em quatro sete patas
Nem sabes das datas
Saltas, saltas, saltas
A deambular no roxo no cabelo
A envelhecer sem ser de velho
Grão a Grão a encher o sapo
Só respiras no tempo húmido
No caracol a correr nas tuas pernas
Nas abertas, nos biomas naturais
Nas frutas das florestas tropicais
Nos caminhos de barro, anais
No vai e vem,
No vem e vai,
Com a doença do mundo alojada no céu da boca,
Da tua boca,
Competes na freguesia
Pelo próximo freguês
A comer um pombo de cada vez.