Maria de Medeiros, uma artista-exemplo e sem nacionalidade pela arte
De rosto jovial e transparecendo um vanguardismo quase inédito na cultura portuguesa, Maria de Medeiros é muito mais do que uma representadora de personagens. Para além de ter dado asas a um talento inato para a interpretação, foi mais além ao ter encetado os seus próprios projetos cinematográficos e até ao seguir uma carreira musical inspirada no seu pai, o maestro Victorino d’Almeida. Um contributo cultural que extrapola em absoluto o número que representa a sua idade.
Maria de Saint-Maurice de Medeiros Esteves Victorino de Almeida nasceu na capital lusitana, Lisboa, a 19 de agosto de 1965. Filha do reputado músico Victorino d’Almeida e da jornalista Maria Armanda de Saint-Maurice Ferreira Esteves, Maria passou a infância na Áustria, em virtude do estado ditatorial que vigorava em Portugal, regressando a este após o 25 de abril. Influenciada pela avó, escritora juvenil e autora radiofónica, partiu aos 18 anos para Paris, onde desenvolveu a sua educação artística. Após dar início (e nunca ter finalizado) a licenciatura em Filosofia na Universidade de Sorbonne e até ter equacionado optar pela pintura, a atriz frequentou a École Nacionale Superieure des Arts et Techniques du Théatre e o Conservatoire Nationale d’Art de Paris.
Fluente em seis idiomas diferentes (português, inglês, francês, italiano, alemão e espanhol), facilmente se adaptou, tanto no teatro como no cinema, a trabalhos de diversas línguas, sendo lançada pela realizadora gaulesa Brigitte Jacques. Como atriz, venceu vários galardões internacionais como a Coppa Volpi da Mostra de Veneza de Melhor Atriz em 1994 com o filme “Três Irmãos”, o Prémio Génio em 1996 respetivo à mesma categoria com “Le Polygraphe” ou os Globos de Ouro portugueses com “Capitães de Abril”, filme que ela própria realizou em 2001 e que chegou até a ser contemplado no Festival de Cannes. Este retratava o figurino da Revolução dos Cravos, que tomou lugar em Portugal no dia 25 de abril de 1974, explicitando também a tensão vivida antes da sua ocorrência e as perspetivas futuras abertas com a sua concretização. Para além disto, foi também condecorada com menções honrosas como a Ordem Militar de Sant’Iago de Espada em 1992, a Ordre des Arts et des Lettres em 2003, e sendo a primeira portuguesa nomeada Artista da UNESCO para a Paz em 2008.
A atriz participou também em filmes de maior nomeada, como “Henry and June” (1990) de Philip Kaufman, onde contracenou com Uma Thurman, e “A Divina Comédia” (1991), adaptação da obra de Dante Aligheri por parte do saudoso realizador Manoel de Oliveira. No entanto, foi na mítica obra-prima de Quentin Tarantino “Pulp Fiction” (1994) onde ganhou maior preponderância, interpretando o papel de Fabienne, namorada de um lutador de boxe que se envolve em várias controvérsias.
“Fui educada com muito pouco sentido patriótico, entre pessoas de várias nacionalidades. Adoro ser portuguesa, mas podia ser cubana ou qualquer outra coisa. Quanto mais o tempo avança menos nacionalista sou e mais estrangeira me acho. Essa tem sido a melhor forma de apreciar”
Maria de Medeiros quanto às suas origens portuguesas.
No que concerne à sua carreira musical, Maria de Medeiros lançou três álbuns denominados “A Little More Blue” (2007), “Penínsulas e Continentes” (2010) e “Pássaros Eternos” (2013), para além de avulsas colaborações, como com o português The Legendary Tiger Man no álbum “Femina” (2010), mais especificamente na música “These Boots Are Made To Walkin”. Nos seus trabalhos a solo, a portuguesa percorre tanto alguns trabalhos dos brasileiros Chico Buarque, Caetano Veloso e Ivan Lins como remontando à música glamourosa elaborada nos anos 60, estreitando ligações com o jazz e com o R&B. Para além de cantora, Medeiros sabe também tocar flauta, piano e violoncelo, em virtude dos conhecimentos transmitidos pelo seu progenitor.
Com um currículo cultural que tanto tem de versátil como de rico, Maria de Medeiros é um dos expoentes máximos da cultura com raízes lusitanas. Com 47 filmes e curtas-metragens realizados, 3 álbuns musicais lançados e variadas participações como atriz em projetos de diversos países, a portuguesa adotou um estilo de vida multicultural, atuando com maior racionalidade e critério mas também com distância no panorama nacional. Tendo-se internacionalizado para se emancipar como artista, esta foi bastante bem sucedida nessa investida, com os vários galardões e com a comunidade de admiradores que granjeou a falar por si, englobando portugueses como os demais criativos de outras artes performativas e de outras nações. Maria de Medeiros completa, assim, o seu meio século de vida recheado de aventuras e de expansão cultural, dedicando grande parte do seu tempo a que esta alcançasse uma maior massa humana e que a compreendesse cada vez melhor. Uma artista-exemplo, uma inspiração, um baluarte da cultura nacional, esta que regularmente é desdenhada mas que possui um nobre pecúlio a ser explorado e valorizado. Se há alguém que guarneceu de asas a cultura portuguesa, esse alguém trata-se de Maria de Medeiros.