“After Yang”, de Kogonada: o vazio de perder algo que nos foi importante e a procura dessa origem
Este artigo pode conter spoilers.
Após o sucesso da crítica com “Columbus” (2017), Kogonada cria agora “After Yang”, a sua segunda longa metragem e a continuidade de uma temática que aprendeu a estudar alguns dos grandes mestres do cinema: o vazio visual aliado às emoções.
Um pouco como Ozu, sobre o qual escreveu a sua tese de doutoramento, Kogonada explora o espaço que rodeia as personagens de forma estética, ou seja, uma imagem nunca é apenas uma imagem, tem um significado e os seus elementos estão dispostos de forma precisa. Este cuidado sobre cada plano oferece aos seus filmes uma identidade pouco comum no cinema moderno. Apesar de ter nascido em Seoul, Coreia do Sul, Kogonada, cujo nome verdadeiro permanece um mistério (Kogo Noda foi um dos argumentistas que mais trabalhou com Ozu), as suas maiores influências vêm do Japão. Talvez pela enorme influência que o Japão tenha tido na Coreia do Sul até 1945, ou simplesmente por gosto pessoal, mas há muito do cinema de Ozu nos filmes de Kogonada, mais do que simplesmente a imagem.
Tal como Ozu, Kogonada não explora os sentimentos dos seus personagens de forma directa ou extra dramática. Os sentimentos expressam-se através de pequenos gestos, algo bastante próprio da cultura nipónica. Existe um auto controlo emocional que se expande ou diminui de acordo com a função do plano, da imagem em cada cena. Ozu dominava essa técnica como ninguém e Kogonada parece claramente querer expressar-se da mesma forma.
“Cada plano é um quadro, cada sequência tem um propósito para a narrativa e cada elemento da sua composição é uma peça chave para desvendarmos o puzzle final.”
Baseado numa short story de Alexander Weinstein (“Saying Goodbye to Yang” (2016)), “After Yang” é uma mistura de muita coisa que vimos em “Columbus” e algo saído directamente do génio de Alex Garland, embora não exista nenhuma ligação entre ambos. Yang (Justin H. Min) é um andróide que vive com a sua família, até que certo dia deixa de funcionar. A sua função principal era a de educar e ajudar a filha (Malea Emma Tjandrawidjaja, mais uma criança Disney) do casal, uma criança extremamente necessitada de atenção, já que a sua mãe (Jodie Turner-Smith) só vive para o trabalho e o seu pai (Colin Farrell) também costuma passar muito tempo ausente. Perante essa situação, o pai decide encontrar todas as formas possíveis para recuperar o seu andróide, não só por pressão da sua filha, mas também por demanda própria, algo que vai sendo cada vez mais motivado pelos mistérios em torno do passado de Yang.
Conforme a narrativa vai avançando, vamos percebendo o verdadeiro motivo da narrativa, ou o que Kogonada pretende explorar. Não estamos apenas perante a tragédia da morte, estamos também sobre a questão essencial: O que é a vida? Será que aquilo que sentimos define quem somos? Todas estas questões tornam-se particularmente complexas quando adaptadas a um andróide. Jake, o pai, vai explorando todas estas hipóteses através das suas próprias memórias e de acesso directo às memórias de Yang, não só com a sua família, mas com todas as outras. Sem nos obrigar a decidir, Kogonada conduz-nos pela possibilidade do amor entre seres não humanos ser igual àquele que dois seres humanos podem sentir. O que é, na sua verdadeira essência, o amor? Kogonada não responde a esta questão, mas deixa-nos espaço para reflectir.
Esteticamente “After Yang” é um filme ímpar, como há poucos no cinema actual. Cada plano é um quadro, cada sequência tem um propósito para a narrativa e cada elemento da sua composição é uma peça chave para desvendarmos o puzzle final. Contudo, e apesar do argumento ser interessante o suficiente, a sua conclusão é algo deselegante. “Columbus”, o filme anterior, tem uma condução narrativa muito mais coesa e interessante. A ausência de emoções em certas cenas também prejudicam o todo, embora seja uma decisão estilística assumida e não um erro. Essa total ausência resultava de forma perfeita em “Columbus”, onde a noção de relação amorosa era superficialmente atingida, mas em “After Yang” torna-se maioritariamente insuficiente.
“After Yang” é um filme como existem poucos se olharmos para o universo americano dos últimos anos. Uma dedicatória moderna a Ozu, Bergman e Kubrick, mas sem nunca atingir aquele equilíbrio perfeito entre estética/narrativa que esses três mestres conseguiram. Kogonada aproxima-se dos mestres sem borrar a pintura, mas também sem arriscar demasiado. Um excelente exercício cinematográfico para um público mais vasto.