‘Columbus’, de Kogonada: a arquitectura como pano de fundo para o humanismo

por João Estróia Vieira,    5 Novembro, 2018
‘Columbus’, de Kogonada: a arquitectura como pano de fundo para o humanismo
“Columbus” (2017), de Kogonada
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Na Cultura coreana um kaekkwi é o espírito de alguém que morre por causas naturais longe do seu lar, e que fica, por isso, a vaguear, perdido. Jin (John Cho) e Casey (Haley Lu Richardson) são dois espíritos vagueantes, mas de forma diferente. Ele, quer sair de Columbus, para onde se vê arrastado (é a palavra correcta) devido ao estado de saúde crítico do seu pai, com quem não mantém grande relação. Ela, por outro lado, não se vê a sair da sua terra, apesar dos impulsos exteriores nesse sentido. Os amigos, conhecidos, e sobretudo a sua mãe reconhecem demasiado valor e inteligência a Casey para que esta permaneça nessa sua pequena localidade, onde se crê que o seu futuro apenas será tão grandioso quanto as fronteiras que a delimitam.

“Columbus” (2017), de Kogonada

São dois destinos que se cruzam por uma situação inóspita. Ela, amante de arquitectura, ele, filho de um nome grande da arquitectura que ia dar uma palestra à qual Casey queria assistir. É nesta inusitada situação que começa uma bonita amizade, uma bem contada e calma, serena, partilha de vivências, conhecimento e sentimentos. Jin vive preso ao ressentimento das expectativas que o seu pai via em si. Casey “presa” ao sentimento de não querer abandonar a sua mãe, com medo que volte a cair na tentação de abuso de substância. Recordamos em especial uma cena numa ponte sobre um lago em que ambos se confrontam com as questões mais urgentes de cada um; algo que ambos guardavam pois até então não queriam estragar o momento a dois que era uma serena paz podre – a vida não é só sorrisos, a vida é também aquilo com que de menos bom temos de lidar: o que está bem, ou o que nos é mais confortável versus o que deve ser feito – a vida, é, portanto, uma série de confrontos internos e externos; luta e calma, em alternância ou em convivência. Somos um ser complexo, mas de gostos, de conhecimento, e é com esse conhecimento que ambos têm, e que lhes cria primariamente essa ligação, que teremos o pano de fundo do nosso filme, primeira criação cinematográfica de Kogonada, cujas referências do IMDB nos levam até um vídeo-ensaio sobre Richard Linklater e a sua Before Trilogy, um inconfundível marco do Cinema naquilo que temos como a descoberta e partilha mútua do tu/eu, e do crescimento enquanto dupla, e enquanto dupla romântica.

“Columbus” (2017), de Kogonada

De ritmo não lento mas sim contemplativo, Kogonada dá-nos a possibilidade de apreciação e tempo de assimilação suficiente, como se de uma visita e conversa reais se tratassem. Quando estamos a conhecer alguém a conversa não pode ser precipitada, muito menos feita em modo corrida. Há que perceber o que é dito e dar o seguimento lógico, há que querer saber mais sem, ao invés disso, atropelar o que nos é transmitido, venha em forma de ensinamento ou desabafo. Nesse aspecto John Cho e Haley Lu Richardson são brilhantes. Duas personalidades e faces tranquilas quando em conjunto, apesar do tumulto interior. Ele, fora do seu registo de comédia habitual a que nos habituou, e ela, uma estrela pronta e prestes a brilhar numa interpretação cândida e imaculada. Nas interpretações, destaque também para a deslumbrante – como sempre – Parker Posey, o love interest de longa data de Jin, amiga do seu pai por quem este é um apaixonado desde a sua infância e o interessante e charmoso Rory Culkin, um apaixonado por Casey.

Columbus é um filme equilibrado, amoroso e interessante. Um filme sereno e consciente da mensagem que pretende transmitir, fazendo-o por isso com grande articulação e beleza. Um drama indie e minimalista, cheio de alma, trazido por Kogonada e uma fotografia fascinante de Elisha Christian, que nos leva num verdadeiro roteiro em descoberta de uma localidade cheia de edifícios com poderes curativos, que nos levam à contemplação, acompanhados de dois talentosíssimos actores.

Porque é que gostamos de um edifício em detrimento de outro tão parecido? Porque é que gostamos de alguém e não de outrem? Porque é que não gostamos de alguém de quem faria todo o sentido gostarmos e gostamos de alguém de quem não deveríamos? Porque não somos um catálogo de arquitectura, não nos movemos por descrições e demonstrações lógicas da importância de algo ou alguém para connosco. Gostamos pelo impacto que algo ou alguém nos traz aos sentidos. Gostamos porque há algo ou alguém que sem saber tem em si o caminho para o nosso coração. A lógica pouco ou nada traz. É nesse contraste conversativo entre as personagens que é criado o laço, em que é criada a importância. Os factos (históricos ou não), tanto fazem. No final gostamos “porque sim”. E tantas vezes atribuímos esta expressão às crianças por supostamente revelar inabilidade para argumentar a resposta. Na maior parte das vezes não há, de facto, argumento que valha.

Columbus foi também agora lançado em DVD pela Alambique.

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