‘It’, muita comédia e pouco terror num filme sem nada de novo para oferecer
Com honras de antestreia em sessão de encerramento no MotelX deste ano e estreia efectiva nas salas de cinema portuguesas no final da semana que findou, It chega-nos após uma enorme máquina de marketing à sua volta gerar todo o buzz que se esperava num redespertar da obra literária do génio Stephen King que em 1990 já tinha dado origem a uma minissérie. Na altura, protagonizado por Tim Curry, Pennywise intemporalizou-se em ecrã; agora, é a vez de Bill Skarsgard calçar as botas do palhaço dançarino, que ao longo de décadas permaneceu (e permanece) como um dos grandes rostos do mal jamais criados. A cargo desta adaptação para cinema do livro de 1986 esteve Andy Muschietti, realizador de Mama, filme de 2013 (que nasceu de uma curta de 2008, também da sua autoria). No entanto, mais importante que estes pormenores impõe-se uma pergunta: será It merecedor de toda a excitação à sua volta? Ou melhor, será este filme digno de perpetuar a obra criada pelo “mestre do terror”?
Pegando numa fórmula tantas vezes usada nos anos 80 por Steven Spielberg como em E.T., Goonies ou Poltergeist – e recentemente reciclada com grande sucesso na série da Netflix Stranger Things – de resolução de mistérios recorrendo a jovens protagonistas, tipicamente misfits e que em It se autoproclamam de “Losers”. Incitados por Bill Denbrough (Jaeden Lieberher), que perdeu o seu irmão Georgie, o grupo composto também por Mike (Chosen Jacobs), Richie (Finn Wolfhard, uma das estrelas de Stranger Things), o forasteiro Ben (Jereny Ray Taylor) Eddie (Jack Dylan Grazer), Stanley (Wyatt Oleff) e o membro feminino do grupo, Beverly (Sophia Lillis).
Todos estes sete protagonistas têm em comum habitar na localidade de Derry, no Maine. Será Ben a descobrir o segredo que atormenta esta pequena vila e que fará a ligação com o mistério do desaparecimento do irmão de Bill. A localidade é atormentada de 27 em 27 anos por um espírito maligno, um palhaço chamado Pennywise, causador do desaparecimento de várias dezenas de crianças ao longo dos anos. E é aqui que Muschietti começa a falhar. Se a presença de Pennywise em ecrã é assustadora que chegue, mais que não seja pela maquilhagem, o seu tempo em ecrã é escasso, e o pouco que tem não é utilizado de forma a potencializar a sua figura. Pennywise transforma-se e atormenta as crianças com os seus piores pesadelos, mas são exatamente essas presenças oníricas que, além de possuírem um factor “terror” quase inexistente, causam um impacto desastrado em ecrã na credibilização do tormento que significam para as crianças (veja-se o caso do homem cheio de doenças que atormenta Eddie que mais parece uma pessoa muito mal caracterizada).
A potencialização da fotografia fantástica a cargo de Chung Chung-hoon, um habitué nos filmes de Park Chan-wook, falha ao não parecer haver um fio condutor entre as cenas. O filme salta simplesmente de acção para acção, num trabalho descuidado de ligação por parte do seu realizador.
Nem tudo é negativo. Tal como nas criações literárias de Stephen King, é na presença dos adultos que a cor da jovialidade se míngua, desvanece. A presença hostil dos pais e a forma como isso afecta as crianças é um tema recorrente ao longo da história, culminando também de certa forma nos pesadelos que as atormentam. O grupo de misfits funciona em toda a sua abrangência, sobretudo no aspecto comic relief que, no entanto, ao ser tão usado, acaba também por descredibilizar um ambiente que se quer muito mais pesado do que efectivamente acaba por ser. Não nos importamos dos momentos em que Richie acaba invariavelmente por fazer várias piadas por cena, mas não fossem os jump scares tão mal preparados, fazendo apenas uso do seu factor surpresa e do aumento do som no momento do seu aparecimento (como em qualquer filme preguiçoso do género), e o comic relief seria somente isso, mas não. A parte cómica acaba por ter uma maior constante que a componente de terror num filme que não sabe equilibrar (ou controlar) ambas as vertentes.
Um dos pontos interessantes de It acaba também por mostrar as suas falhas. Homenageando ou fazendo recordar filmes como The Ring, Carrie, Stand By Me ou Psycho, mostra que It perdeu muita da sua originalidade ao longo da sua caminhada, e se as referências são aceitáveis e enquadradas na sua época (a música de New Kids on The Block, Nightmare on Elm Street 5 em exibição nos cinemas na altura ou o poster de Gremlins são presenças indissociáveis da época), já o modus operandi dos filmes já referidos não trazem nada de novo.
O problema de It é que ninguém o quer ir ver à espera de passar a maior parte do tempo a rir ou a assistir a um episódio de Stranger Things, e é precisamente aí que o filme de Andy Muschietti falha; em garantir uma aura minimamente negra, assustadora ou introspectiva (e, nesse aspecto, mais adulta) ou um ambiente capaz de o proporcionar. Curiosamente, todas elas são características que Cary Fukunaga, que saiu do projecto a meio por divergências criativas com os produtores, nos mostrou (e bem) na sua primeira temporada de True Detective e por isso seria interessante imaginar uma versão criada pelo mesmo. Muschietti não conseguiu, ao longo de mais de duas horas, criar a tensão que as expectativas inerentes ao filme exigiam. Apesar de todos os aspectos negativos, um futuro capítulo da saga ainda terá o Pennywise de Bill Skarsgard bem fresco nas nossas mentes a sussurrar “you’ll float too“, e isso só a ele se deverá.