A ‘Grande Beleza’ da obra de Paolo Sorrentino
A Itália, desde as suas origens, provou ser um território muito criativo. Um povo que, à sua maneira, conseguiu sempre estimular o surgimento de grandes artistas que deixaram a sua marca e contributo indelével na Arte, uma das áreas que com mais dignidade e beleza eleva o ser humano. Embora menos reconhecido do que os seus pintores e escultores, o cinema italiano sempre produziu obras imensas e intemporais. Nomes como Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti, Vittorio De Sica, Sergio Leone, Bernardo Bertolucci ou Roberto Rosselini deixaram marcos cinematográficos importantes na cultura daquele país.
Na contemporaneidade, o nome de maior destaque é Paolo Sorrentino. Natural de Nápoles, chegou a estudar Economia na faculdade mas acabou por a abandonar para seguir a sua vocação – o cinema. Neste momento trabalha num filme sobre Berlusconi, com o nome “Loro”, que deve estrear no próximo ano. Em 2004, o seu filme “As consequências do Amor” dá-lhe maior reconhecimento internacional, com a nomeação ao Palme d’Or. Depois deste, destaque para o Óscar ganho em 2014 pelo seu filme “A Grande Beleza” – um filme no qual devemos procurar o génio de Paolo Sorrentino. Mantendo a sua longa colaboração com o actor Toni Servillo, o filme aborda os temas principais da vida, bem como a particular decadência das elites de Itália, e em especial de Roma. Quando ganhou o prémio, citou no seu discurso as suas quatro referências artísticas: Fellini, Scorsese, Talking Heads e Diego Armando Maradona. A nomeação dos cineastas não constituíram surpresa, em especial a de Fellini; já a da banda Talking Heads e a do astro argentino Maradona são referências peculiares. A banda, uma das suas predilectas, tem destaque no seu filme “Este deve ser o lugar” (2011). Por outro lado, Maradona, um dos deuses do futebol, é a maior lenda do seu Nápoles, depois de ter atingido o auge da sua carreira no clube italiano, ao ganhar diversos troféus e entreter o público com as habilidades inigualáveis. Maradona está presente em duas obras de Sorrentino. Aparece como personagem no seu último filme “Juventude” (2015)m e como um símbolo de herói para um dos Sacerdotes da série televisiva “O papa jovem” (2016). Mais um exemplo de como a inspiração pode vir de qualquer tipo de cultura; o futebol, neste exemplo.
Sorrentino procura conjugar nos seus filmes a verdade e a beleza. Nos seus filmes mais recentes podemos reparar que a cinematografia, ao cargo de Luca Bigazzi, tem influência dos filmes de Terrence Malick, um cineasta que admira. Podemos observar como a câmara se desloca lentamente em torno das personagens, que vagueiam entre os problemas das suas vidas e o desejo das suas ambições. Como escreveu Nietzsche
“O homem é uma corda estendida entre o animal e o Super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar. O que é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim: o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acaso.”
Jep Gambardella, o protagonista, é um escritor com apenas uma obra escrita; principalmente por preguiça e quebra criativa. Este vai deambulando por Roma, num exercício existencialista, à semelhança do que Céline fez em “Viagem ao fim da noite”, livro que fornece o texto com o qual o filme começa. Pelos olhos de Jep vamos descobrindo novas personagens, muito diferentes umas das outras. Descobrimos, por exemplo, um homem que se fotografou todos os dias durante 55 anos; consideramos o fenómeno de envelhecer bem, assim como a retrospectiva irregular dos estados de espírito – em algumas fotos vemos felicidade, noutras tristeza ou neutralidade, como se cada dia tivesse o seu espírito. Em certas partes do filme podemos ver uma subtil crítica à arte contemporânea, em parte desprovida de significado e virada para o espectáculo do entretenimento. Conhecemos ainda um homem destroçado por descobrir que a sua mulher amou toda a vida um amigo de infância e colega de escola; para ela, o marido foi apenas um bom companheiro.
Uma das cenas mais importantes do filme tem lugar num lindíssimo rooftop de Roma, num encontro de amigos de infância, já todos com mais de 50 anos. Se, noutros tempos, grandes autores como Tolstoy criavam cenas de banquetes para juntar as personagens e pôr em contraste as classes sociais, talvez a nossa geração seja a dos bares, rooftops e restaurantes. Durante a conversa assistimos à necessidade, por parte de várias personagens, de justificar que tiveram vidas dignas; até que uma delas é desmascarada, numa situação em que Jep não resiste à tentação de ficar calado e decide dizer a verdade crua e nua sobre essa personagem.
Jep compreende que nunca encontrará a grande beleza no meio do grande “blá blá blá” que rodeia a sua vida. O momento em que esteve mais perto de a encontrar foi no seu primeiro verdadeiro amor, num verão que ele recorda incessantemente ao longo do filme a memória constitui a sua fonte mais bela, pura e inocente de felicidade.
Assim como Jep Gambardella gostava de imaginar o mar no tecto do seu quarto, também muitos gostam de seguir a obra de Paolo Sorrentino. Os seus filmes estão cheios de personagens que se perdem entre as suas ambições intelectuais e as dificuldades em buscar a felicidade pura. Autor muitas vezes comparado a Fellini, promete, pelo que já fez, deixar um legado para a próxima geração do cinema italiano.