Para quando novos episódios da série “Conta-me Como Foi” da RTP?
Há uns meses, meti na cabeça que queria ver todos os episódios da série “Conta-me Como Foi“. Apaixonado por História, e sendo professor estagiário de História, achei que seria pertinente deixar-me levar pela narrativa, de forma a compreender, inclusive, se seria benéfico para mostrar uns excertos em sala de aula.
Terminei recentemente de ver a série. Foram 104 episódios gravados na primeira década deste século, divididos em cinco temporadas, mais 37 episódios da temporada 6 e 7, exibidos na RTP em 2020. Demorei quase um ano para conseguir ver tudo. Entre os afazeres da vida e tempo disponível para me sentar e apreciar a série, foi esta a duração despendida. Sinto, neste momento, um sentimento de perda, confesso.
Analisando primeiramente as temporadas cujo período histórico se insere nos tempos antes do 25 de abril, o enredo da história está muito bem conseguido. Começamos pelos padres pois, como se sabe, a Igreja tinha forte influência nos tempos do Estado Novo. Inicia-se com um padre severo, autoritário, que tem bastante influência junto da população, e é ouvido por todos, quase como se orientasse os desígnios de todos os habitantes do bairro. Depois, surge o padre Vítor, um padre de ideais progressistas e que questiona o regime político instituído em Portugal, e que ajuda a demonstrar a dificuldade que muita da população tinha em encarar um padre que não apresentasse uma postura conservadora.
No centro da narrativa temos a família Lopes, com o António e a Margarida a serem os pais. António é o chefe de família, estatuto de resto conferido pelo próprio regime salazarista, e procura adotar essa postura mais severa, ainda que nem sempre tenha jeito para isso. Margarida respeita imenso o marido e aceita as suas opiniões. Contudo, tem também uma perspetiva empreendedora, querendo ser mulher de negócios, algo que não era comum de lidar. Nesse sentido, António vai-se sentir várias vezes desautorizado, pois naquela época, as mulheres deveriam estar em casa como domésticas.
A avó Hermínia, mãe de Margarida, traz-nos a visão extremamente conservadora do regime, ainda que, quando confrontada com momentos em que tem de abrir horizontes, acabe por o fazer. Contudo, é uma pessoa bastante avessa à novidade. Marca também o estereótipo de família da altura, com a idosa viúva quase sempre vestida de preto a ir viver para casa dos filhos.
Maria Isabel, Toni e Carlitos são os filhos. Maria Isabel e António apresentam também ideias bastante progressistas. A filha mais velha, ao longo da série, toma várias decisões arrojadas para a época. Vive um tempo em Londres, namora com um inglês, decide ser atriz e casa-se com um ex-padre (o padre Vítor). Toni é o primeiro filho homem da família e, portanto, são feitos esforços para que este prossiga nos estudos. Contudo, acabará por ir para a guerra colonial, que, de resto, era o problema da maioria dos jovens daquela geração. Carlitos é o mais novo, e é engraçado seguir todas as suas peripécias, até porque, não tendo totalmente noção do regime político em que vive, vai tendo algumas ações que fogem ao “normal” daquele tempo.
As temporadas mais recentes mostram exatamente os mesmos atores no que à família diz respeito, mas mais velhos. A família continua unida, Isabel e Toni já têm filhos, Carlitos já trabalha, mas os tempos são diferentes. É o tempo de uma nova visão para o país, da entrada de Portugal para a CEE. O bairro é outro, os amigos são outros, mas a qualidade do enredo mantém-se, e a série continua a retratar muito bem a época, e em que algumas personagens vão demonstrando certa resistência à democracia.
Esta série é excelente, não há dúvidas. Tudo é retratado de forma correta. As personagens com ideias comunistas ou conservadoras, o café onde não se pode falar de política, as mulheres a andar sempre de saia, são tudo pormenores que não escapam e nos ajudam a compreender a época. Já retirei, inclusive, alguns excertos da série para mostrar em aula. É um produto apaixonante, português, e que na minha opinião merecia continuidade. O último episódio da última temporada assim o exige. Aguardo que os responsáveis da RTP leiam este texto e decidam lançar mais episódios.