NOS Alive 2022 (dias 1 e 2): a irreverência de Stromae e a consagração de Jorja Smith
O Passeio Marítimo de Algés voltou a encher-se de festivaleiros. A pausa de dois anos, devido à covid-19, trouxe público carregado de entusiasmo para o primeiro de quatro dias de NOS Alive.
O palco maior do festival foi inaugurado pela adorável Mallu Magalhães. Com um permanente sorriso nos lábios, a brasileira apresentou canções do seu mais recente álbum, Esperança, num registo dócil e tranquilo de bossa nova e MPB que por vezes perdia a força na grandeza do cenário. A sua voz apresentou umas variações que a faziam parecer estar sempre à beira do riso, por vezes distraindo-nos da paz dos arranjos musicais, mas que também podiam ser interpretadas como a impressão de uma fragilidade genuína e refrescante nas letras francamente pessoais da artista. A certa altura, Mallu deixa-se de canções tristes e incita-nos a mexer a anca. Ainda que o público se tenha mantido sempre embevecido ao longo do espectáculo, realmente espevitou-se mais com os sucessos que definem a carreira de Mallu até agora: “Velha e Louca”, “Sambinha Bom” e a versão da sua Banda do Mar, “Mais Ninguém”. Sem impressionar, foi um concerto agradável que deixou um bom sabor na boca para o que se seguiria.
E o que se seguiu foi exatamente aquilo de que o público precisava para matar saudades de uma pausa forçada de dois anos: os Jungle e o início de um pôr-do-sol. Os ingleses mostraram toda a sua sincronia em palco, com o público a acompanhar as harmonias com passos de dança. O recinto tornou-se uma orquestra com um ritmo difícil de igualar, com o público a acompanhar não só o hit “Casio” (com um cheirinho de “Stayin’ Alive”, dos Bee Gees), mas também na mais recente “Good Times”. O registo dos Jungle subiu claramente a fasquia do palco principal, com o público claramente satisfeito com o concerto.
Depois do quentinho de Mallu e da ginga dos Jungle, fizemos um desvio até às longas e empoeiradas estradas dos Estados Unidos. Os War on Drugs fazem música ampla, repleta de melodias orelhudas e sentimentos grandiosos o suficiente para encher um estádio. No Alive, foram recebidos de forma relativamente morna por um público que ignorava ter diante de si uns dos padroeiros do rock clássico feito hoje em dia. A verdade é que, para quem não conhece o produto da banda, pode soar tudo muito parecido e talvez maçador, dependendo do nível de apreciação pelo estilo. Até para fãs, jogar ao “adivinha o nome desta canção dos War on Drugs” é difícil, devido à similitude entre as mesmas, mas não há como negar que as diferentes variações da fórmula do líder Adam Granduciel são impecavelmente compostas homenagens ao legado de astros como Bob Dylan ou, principalmente, Bruce Springsteen.
O alinhamento foi largamente dedicado ao fabuloso álbum de 2021, I Don’t Live Here Anymore, do qual destacamos a frenética “Victim” e o single homónimo com o qual terminaram o concerto, que obrigatoriamente terá de se tornar um hino ao longo dos próximos anos. Ainda assim, os dois álbuns anteriores não foram esquecidos, passando pela dança lenta e o solo de guitarra épico de “Strangest Thing” ou pela longa e expansiva “Under the Pressure”, certamente um dos grandes momentos do concerto. A carreira dos War on Drugs tem-se tornado mais e mais focada, assim como as suas apresentações ao vivo, cada vez menos dependentes de versões estendidas ou solos intermináveis, ampliando o poder das melodias. Este concerto foi prova disso. Só gostaríamos de repetir a experiência rodeados de fãs da banda para a experiência de comunhão que este som requer.
Os The Strokes foram um dos grandes nomes anunciados para a edição de 2020 do NOS Alive, que acabaram por se manter em cartaz. Apesar de relatos de recentes maus concertos por parte da banda americana, o público queria ver que concerto ia sair de uma das grandes referências do indie rock. Apesar de o vocalista Julian Casablancas não ter sido um estupendo colaborador, a verdade é que foi difícil encontrar quem estivesse parado a ver o concerto. Não estando o vocalista no seu melhor, os riffs de guitarra de “Under Cover of Darkness” e “You Only Live Once” continuam no ponto e não deixam ninguém indiferente. Chegou a existir tempo para uma espécie de homenagem a Clairo (artista que teve de cancelar a sua participação no NOS Alive) com uma versão da música “Sofia”. Talvez Alex Turner, vocalista dos Arctic Monkeys, não queira fazer parte destes The Strokes, como refere no início de “Star Treatment”. Mas calculo que, se lhe perguntarem, não deixará de dizer: “Caramba, são os The Strokes”. Assim mesmo em português, mas com sotaque Sheffield.
Para terminar a noite, algo completamente diferente aterrou no palco principal do festival. O belga Stromae estreou-se em Portugal com um espectáculo com elevados valores de produção e toques futuristas e distópicos, mas sem nunca perder foco dos sentimentos. Notou-se pelos longos e sentidos agradecimentos que fez a todos os envolvidos no espectáculo e ao público, que bebia de todas as suas palavras como se de um profeta se tratasse. É invulgar termos um projecto francófono nos destaques de um festival, pelo que a experiência se revelou particularmente refrescante, como se nos estivessem a revelar um segredo que na verdade não é, tendo em conta a popularidade de Stromae. Não faltaram os hits maiores, como a inescapável “Papaoutai” ou “Alors on Danse”, mas o nosso coração está com Multitude, o mais recente e fabuloso álbum do artista, lançado este ano. A carga de “Fils de joie” é enfatizada pelo palanque repleto de microfones noticiosos do qual Paul Van Haver (nome do artista) a canta, enquanto que a deliciosa “Santé” aligeira as coisas com uma coreografia divertida. Para o final, em que nem público nem artista queriam arredar pé, ficou reservado um momento especial: “Mon Amour” cantada a capella com a banda. Foi mais um dos vários momentos de intimidade que nem sempre existem em grandes produções como estas, mas que deveriam acontecer muito mais vezes, e um grande ponto final para o primeiro dia de NOS Alive.
No segundo dia, esperava-se um bom regresso dos Alt-J ao palco principal do NOS Alive, assim como a consagração de Florence + The Machine e de Jorja Smith, que já tinham passado pelo festival em anos anteriores, mas estreavam-se agora no palco NOS.
Após o concerto agradável dos portugueses Os Quatro e Meia, foi Celeste quem subiu ao palco. A artista anglo-americana, possuidora de uma das melhores vozes de todo o festival, encantou com os seus toques de soul e R&B. “Strange” era a música mais esperada e serviu para finalizar um concerto muito bem conseguido desta cantora emergente, vencedora do prémio “Rising Star”, nos BRIT Awards de 2020.
Curiosamente seguiu-se Jorja Smith, também uma jovem artista britânica, também dona de uma excelente voz, também influenciada por Amy Winehouse. Aliás, até proporcionou ao público, que tão bem a acompanhou, uma versão de “Stronger Than Me”. Os picos do concerto foram bastante evidentes. O início com “Teenage Fantasy” e “Be Honest”, e o final com “Blue Lights” e “On My Mind”, cantadas em uníssono. Jorja Smith mostrou o seu domínio no palco principal, gerindo os ritmos de cada canção à sua maneira, acelerando e desacelerando sempre que necessário. Cada vez mais cimenta o seu nome na pop britânica e internacional e está claramente para ficar por muitos anos.
Se numa edição anterior os repetentes Alt-J tocaram com um sol forte a cobrir o recinto, desta vez fecharam a noite do Palco NOS. O estilo inconfundível da banda parece ter um bom retorno em Portugal e o cântico de “Matilda” e de tantas outras continua bem presente. Para os resistentes, no palco Heineken ainda houve Dino D’Santiago e Bateu Matou, para terminar o segundo dia em grande.
O NOS Alive termina no sábado, dia 9. Até lá, em Algés ainda vão passar Metallica, Royal Blood, Da Weasel, Two Door Cinema Club e muitos mais.
Texto escrito por: Bernardo Crastes e Gustavo Carvalho