“A Casa das Belas Adormecidas”, de Yasunari Kawabata: o fim da vida materializado na velhice
O escritor japonês Yasunari Kawabata (1899-1972), Prémio Nobel da Literatura de 1968, publicou esta história sublime 1961, e conta com uma introdução da autoria do escritor Yukio Mishima, caracterizando-a como uma “obra-prima esotérica”. Décadas depois, “A Casa das Belas Adormecidas” tornou-se fonte de inspiração, onde o também Nobel da Literatura Gabriel Garcia Márquez (1927-2014) foi beber para criar o seu último livro em 2004, intitulado “Memória das Minhas Putas Tristes”. A estética depurada e beleza poética da prosa de Kawabata será facilmente reconhecida por quem já tenha lido autores japoneses como o próprio Mishima ou até Junichiro Tanizaki.
O fim da vida materializado na velhice é o mote central desta obra, onde Yasunari Kawabata explora a forma como homens idosos procuram o conforto humano e tentam recuperar alguma autoestima e sensação de virilidade, perdidas em consequência da idade. Primordialmente, trata-se de um profundo ensaio sobre o confronto do desejo com a intangibilidade.
“Uma mulher mergulhada no sono, que não fala de nada, que não ouve nada, para um velhote incapaz, por outro lado, de se comportar como homem com as mulheres, não será como se ela estivesse pronta a falar de tudo, pronta a ouvir de tudo?”
“A Casa das Belas Adormecidas”, de Yasunari Kawabata.
O velho Eguchi descobre uma casa, bastante afastada de Tóquio, onde velhos homens impotentes pagam para passar a noite deitados com belas raparigas em sono profundo induzido, reencontrando o calor do contacto humano mas evitando o julgamento e vergonha em relação à sua incapacidade sexual (sendo regra da casa a estrita proibição em manter relações sexuais com as raparigas adormecidas). O segredo que distingue Eguchi dos restantes clientes é que ainda conserva alguma capacidade de desempenho sexual. Passa boa parte da história a reflectir sobre o teor destes encontros e a combater desejos intensos de contacto com a variedade de raparigas com quem vai passando as várias noites em que frequenta a casa. Estas raparigas são descritas pormenorizadamente ao longo da narrativa, de forma por vezes aterradora, mas quase sempre poética.
“Eguchi tinha esquecido completamente o frio dessa neve derretida que tombava lá fora. Nessas condições, a visão de um ballet de borboletas brancas era devida, possivelmente, à rapariga que, a seu lado, expunha ao seu olhar a opulência do seu peito branco. Dar-se-ia o caso de haver nela alguma coisa que exorcismava os pendores perversos do velho?”
“A Casa das Belas Adormecidas”, de Yasunari Kawabata.
As belas adormecidas podem, por vezes, ser encaradas como o ouvinte “surdo” de vários monólogos de teor confessional por parte de Eguchi. A dada altura, afirma que “as relações entre um velho que já não era sexualmente apto e uma jovem posta a dormir deliberadamente não eram «relações humanas»: dizer aquilo depois de ter entrado naquela casa seria, de certo modo bizarro”, demonstrando que existe um contínuo dissecar existencial desta experiência inusitada.
Esta história possui várias camadas de profundidade narrativa, onde o autor suporta acontecimentos paralelos, como uma morte suspeita ou as viagens nostálgicas de Eguchi pelas memórias relativas às mulheres da sua vida. Kawabata constrói neste livro um belíssimo exemplo de mestria em dissecar as fragilidades do homem, com particular atenção à sua relação com a masculinidade e a mortalidade.