‘A Ciência e os Seus Inimigos’: quem são eles e onde andam afinal?
Uma das últimas publicações da colecção Ciência Aberta da editora Gradiva em 2017 foi o intitulado A Ciência e os Seus Inimigos, dirigido pelo Físico Carlos Fiolhais e pelo Bioquímico David Marçal. Tratando-se de um físico e de um químico, neste caso bioquímico, a escreverem uma obra sobre ciência, é caso para dizer que melhor dupla era impossível. O sucesso com trabalhos anteriores como ‘Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias da Falsa Ciência’ ou ‘Darwin aos Tiros e Outras Histórias de Ciência ’ foi considerável, tendo uma recepção muito positiva pelo público em geral. Tal como no desporto, a máxima “em equipa que ganha não se mexe” é bem visível neste contexto e a aposta renovada nesta dupla faz crescer água na boca dos leitores e daqueles que procuram saber um pouco mais sobre o mundo que os rodeia. O facto de esta ser também uma dupla de portugueses a escrever sobre ciência mostra que, apesar de não sermos uma potência científica a nível mundial, temos excelentes divulgadores da ciência como é o caso e, claro está, pessoas a fazer ciência com todo o gosto para além de existirem em Portugal cientistas de renome e até com projecção internacional. O título fora inspirado na ilustre obra do filósofo Karl Popper, A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, sendo este um livro que pretende identificar os inimigos que a ciência tem, também eles inimigos de uma sociedade que hoje não seria a mesma sem esta. Além do mais, os autores afirmam que pretendem que a ciência “faça também parte da nossa cultura”, e a verdade é que a cultura e arte que hoje chegam a nós não seriam o que são hoje sem essa obra tão humana que é a ciência.
O livro aborda uma série de temas em diferentes capítulos sempre com reflexões bastante pertinentes temperadas com o humor característico que os autores já nos acostumaram, o que faz com que os leitores se sintam à vontade com os assuntos que surgem à medida que percorrem as páginas, mesmo que não tenham qualquer formação nas áreas científicas abordadas. Começando pelo primeiro capítulo, Os Ditadores, que aborda a ciência em regimes totalitários como a Alemanha de Hitler, a União Soviética de Estaline ou ainda Portugal liderado por Salazar durante o Estado Novo, havendo uma evidência de que nestes regimes a ciência não era de facto muita até porque é necessária uma certa liberdade para que a ciência ganhe vida e que os avanços científicos assim prossigam, longe de qualquer líder que pretenda fazer da ciência um objecto seu como se fosse dono desta. Os autores falam do modo como os seus líderes tentavam interferir com a defesa de teses erradas que mais convinham aos ideais totalitários e também da perseguição aos cientistas que, para além de serem opositores, eram também grandes ameaças para estes regimes. Seguem-se Os Ignorantes, um capítulo que aborda a eleição de Donald Trump como líder não só da maior potência económica mundial, mas também da maior potência científica, evidenciando os seus famosos tweets e frases ditas ao longo dos anos, sendo um dos maiores inimigos da ciência do nosso tempo. De facto, Donald Trump é um dos ignorantes do momento, mas mais ignorantes foram aqueles que o elegeram como presidente, havendo graves consequências no mundo como se já verificou e que podem ser ainda maiores para a ciência nos anos que aí virão.
O capítulo dos Fundamentalistas retrata em grande parte as fricções que existiram entre a religião e a ciência ao longo dos anos, nomeadamente sobre a evolução Darwiniana que criou fortes colisões entre evolucionistas e criacionistas. No entanto os autores concluem que tanto a ciência como a religião são duas maneiras diferentes de ver e de interpretar o mundo e que hoje ambas podem coexistir não sendo de todo incompatíveis, até porque existem cientistas crentes. Porém existem aqueles que nos tentam vender o seu produto, a chamada “banha de cobra”, evocando falsos fundamentos científicos de modo a que acreditemos neles, tema este retratado no capítulo intitulado por Os Vendilhões. Os mitos assustadores como o perigo das redes wi-fi ou das vacinas causarem autismo nas crianças pode ser revisto no capítulo Os Exploradores do Medo, sobre aqueles que pretendem com argumentos infundados assustar as pessoas sobre perigos da ciência que no fundo não existem. Uma série de questões sobre o uso infundado de falsa ciência como a homeopatia e as medicinas alternativas cujos seus resultados são duvidosos é bastante retratado no capítulo Os Obscurantistas, com relatos de casos do reconhecimento da prática e na aposta na formação de especialistas nestas áreas, nomeadamente em Portugal. Por fim temos os chamados Cientistas Tresmalhados, inimigos da ciência que se encontram dentro da própria ciência, cientistas que procuraram com as suas ideias sem fundamento científico envergar pela chamada pseudociência através de teses e argumentos infundados ou errados, procurando até mesmo a falsificação e a manipulação de resultados por diversas razões.
A Ciência e os Seus Inimigos é assim um livro que pretende, para além de dar a conhecer que ao longo dos anos a ciência teve (e continuará a ter) vários inimigos, fazer a sua defesa de modo a que haja uma sociedade mais livre e aberta e também mais informada num mundo que não seria o mesmo sem a ciência. Sabemos hoje que os avanços científicos deram um contributo enorme à nossa sociedade e ao nosso estilo de vida, que não seria hoje possível sem esses mesmos avanços. Contudo, a ciência continua a ganhar inimigos de dimensões e características diferentes à medida que o tempo avança e à medida que esta avança com os tempos. Este é um livro que mostra todas estas questões de maneira a que o leitor também se questione a si próprio sobre determinadas matérias, sendo esta uma leitura obrigatória não só para aqueles que diariamente convivem e trabalham com a ciência, mas para o cidadão comum que está atento ao que se passa um mundo altamente influenciado pela ciência e que, graças a esta, aos seus progressos e ao verdadeiro lado humano, conseguirá ser mais belo amanhã do que fora ainda hoje.